Wednesday, May 24, 2006

Homenagem a Bocage

Homenagem a Bocage
Trabalho de Pesquisa
Realizada por Wellington Alves
O POETA DA AMARGURA









Bocage nasceu em Setúbal a 15 de Setembro de 1765. À família, apesar de apenas remediada, não faltava distinção social e intelectual e o poeta ao longo da sua vida não se vai esquecer de ostentar os seus títulos de orgulho familiar, lembrando o seu parentesco francês.

Precocemente mostra já tendências literárias como recorda numa das suas poesias: "Versos balbuciei co'a voz da infância"


Setúbal, berço do poeta, vista por G. Landmann, gravura de J.C. Stadler.


Cedo foi o jovem marcado pela adversidade quando aos dez anos lhe morre a mãe. O resto da sua infância foi vivida em companhia dos irmãos, tutelado pelo pai, em contacto com a boa sociedade de Setúbal. Assim se ia compondo a sua intimidade melancólica que o acompanharia ao longo dos anos.


A casa onde nasceu Bocage, segundo uma aguarela de Alberto de Sousa existente na Câmara Municipal de Setúbal. O poeta, maltratado pela miséria, nasceu numa família da alta burguesia.
A família frequentava a casa do governador do Outão e Bocage acaba por se apaixonar por uma das meninas da família, de nome Gertrudes, a Gertrúria a quem Bocage, em alguns dos seus versos, faz referência.

O poeta já dava sinais do que havia de ser. A sua natureza inquieta e talvez conveniências de família levam-no a abandonar os estudos e a assentar praça no regimento de Setúbal com apenas 16 anos. Aí permaneceu até 1783, data em que ingressou na Escola da Armada:

Bocage relata-nos estes anos da sua vida nos versos:

Aos dois lustros, a morte devorante

Me roubou terna mãe, teu doce agrado;

Segui Marte depois, e enfim meu fado

Dos irmãos, e do pai me pôs distante.


Conhece então a boémia lisboeta e perde-se numa vida desregrada. Em 1786 consegue a patente de guarda-marinha e parte para a Índia embarcado no "Senhora da Vida". O navio fez escala no Rio, onde Bocage conheceu o novo governador da Índia que com ele simpatizou e o apresentou à sociedade brasileira, frequentando banquetes e festas.

Imagem do Rio de Janeiro, em princípios do séc.XIX. Tranquila cidade colonial ainda no tempo de Bocage, que aí aportou quando se dirigia ao Oriente.

A estas breves delícias iam suceder cerca de dois anos de trabalhos na Índia de onde segue para Macau. Ao regressar ao reino encontra Gertrudes já casada com um seu irmão o que muito o abate confirmando-se as tristes previsões que fizera:

Por bárbaros sertões gemi, vagante:

Falta-me ainda o pior; falta-me agora

ver Gertrúria nos braços de outro amante.

Este facto, aliado à morte prematura da mãe, terá provavelmente influído profundamente na formação do que os críticos chamam "Complexo de Jonas", que é esquema fundamental na imaginação do poeta.


Em Lisboa, sem ocupação fixa, leva uma vida de boémia, pelos botequins, enquanto fazia parte da Nova Arcádia com o sobrenome académico de Elmano Sadino e ganhou fama atingindo os outros membros da Academia com os seus versos mordazes.

Vai construindo toda a sua obra a par de uma vida livre. Os seus costumes dissolutos, as suas composições, sarcásticas umas, outras inspiradas pelo livre pensamento, acabam por levar o intendente Pina Manique a colocá-lo sob prisão e o próprio Santo Ofício a interná-lo no Colégio do Oratório para uma espécie de "cura espiritual". Aí esteve recluso durante dois anos dedicando-se ao trabalho de tradutor.

Saído do Oratório, moralmente recuperado, tentou uma vida diferente, tomando a seu cargo a protecção de uma irmã, mas os excessos anteriores, a bebida, o fumo e a doença reduzem-no a um farrapo.

São dessa sua última fase de profundo sofrimento os seus sonetos inspirados pela contrição dos erros da sua vida passada:

Meu ser evaporei na lida insana .../ Saiba morrer o que viver não soube

Nesses seus últimos anos teve o grato consolo de ver amigos e rivais junto de si, incluindo alguns dos velhos companheiros da Nova Arcádia, que ele tanto injuriava, todos irmanados por um mesmo sentimento de consideração e piedade. Curvo Semedo e Agostinho Macedo (o "Belmiro Transtagano" e o "Elgino Tagideu" que ele tão impiedosamente cobrira de sarcasmos) não faltaram nesse apoio, levando-lhe palavras de admiração, tentando suavizar-lhe um pouco esses momentos amargos.

Morreu de um aneurisma a 2 de Dezembro de 1805 no 4º andar do prédio hoje com o nº25 e placa comemorativa na Trav. de André Valente.


Fachada da Casa onde o poeta morreu, na Travessa de André Valente, em Lisboa. Exausto por uma vida agitada, Bocage ali viveu os últimos tempos, regenerado pelo trabalho, purificado pelo sofrimento, confortado por amigos e admiradores, reconciliado até com velhos inimigos.



Principais obras Pavorosa Ilusão da Eternidade

E já Doente_ Já Bocage não sou

[SONETO NAPOLEÔNICO]

Tendo o terrível Bonaparte à vista,
Novo Aníbal, que esfalfa a voz da Fama,
"Ó capados heróis!" (aos seus exclama
Purpúreo fanfarrão, papal sacrista):

"O progresso estorvai da atroz conquista
Que da filosofia o mal derrama?..."
Disse, e em férvido tom saúda, e chama,
Santos surdos, varões por sacra lista:

Deles em vão rogando um pio arrojo,
Convulso o corpo, as faces amarelas,
Cede triste vitória, que faz nojo!

O rápido francês vai-lhe às canelas;
Dá, fere, mata: ficam-lhe em despojo
Relíquias, bulas, merdas, bagatelas.

(1) Este soneto foi escrito na ocasião em que o exército francês
comandado por Bonaparte invadira os estados eclesiásticos (1797),
chegando quase às portas de Roma, e ameaçando o solo pontifício. O verso
nono: "Delas em vão rogando um pio arrojo," envolve uma espécie de
equívoco, ou como hoje se diria um calemburgo [ou trocadilho]; porque
Pio VI era o papa, que então presidia na "universal igreja de Deus". O
penúltimo verso lê-se em algumas cópias do modo seguinte: "Zumba,
catumba; ficam-lhe em despojo". [nota da fonte]


II [SONETO DO EPITÁFIO]

Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia — o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:

Não quero funeral comunidade,
Que engrole "sub-venites" em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:

Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:

"Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada, e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro".


III [SONETO DO MEMBRO MONSTRUOSO]

Esse disforme, e rígido porraz
Do semblante me faz perder a cor:
E assombrado d'espanto, e de terror
Dar mais de cinco passos para trás:

A espada do membrudo Ferrabrás
De certo não metia mais horror:
Esse membro é capaz até de pôr
A amotinada Europa toda em paz.

Creio que nas fodais recreações
Não te hão de a rija máquina sofrer
Os mais corridos, sórdidos cações:

De Vênus não desfrutas o prazer:
Que esse monstro, que alojas nos calções,
É porra de mostrar, não de foder.

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