Wednesday, September 28, 2005

Análise sócio-tributária das privatizações

Análise sócio-tributária das privatizações das
concessionárias de energia elétrica no Brasil
Wellington Alves de Lima – alvesjuridic@hotmail.com

Resumo: Este trabalho discute a privatização das empresas estatais brasileiras, mais especificamente das fornecedoras de energia elétrica, fazendo para tanto uma análise sócio-tributária.

Abstract: This paper analyzes the privatization of Brazilian state companies, specify the electric energy companies, it has a social and tributary analysis.


1. Introdução
A intenção deste artigo é discutir o tema privatização e sua conseqüência tributária para uma maior reflexão que nos leve a compreender a modernidade imposta à administração pública na busca de um melhor atendimento à população redefinindo os conceitos da empresa estatal.
Seguindo a idéia acadêmica nascida na Europa, implantada inicialmente na França, o estado como instituição governamental, amparado no entendimento da livre iniciativa, possibilitando a concorrência e a capacidade administrativa associada à visão empresarial dos grandes investidores (prática já há muito assumida pelo governo norte-americano), com a idéia central de que tudo que o governo pode a iniciativa privada também pode, No Brasil, as primeiras privatizações ocorreram a partir de 1987, quando o BNDES privatizou 16 empresas controladas e outrora inadimplentes com o Banco. Por delegação do governo federal, em 1990, o BNDES foi nomeado gestor do Fundo Nacional de Desestatização - FND, depositário legal das ações das empresas incluídas no PND. As privatizações estaduais começaram a ocorrer a partir de 1996. Quando solicitado, o BNDES forneceu assistência técnica na condução dos processos de privatização estaduais.
Dando maior impulso a idéia no dia 26 de março de 1991, com a organização do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL, mediante tratado firmado entre seus membros, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. O tratado de Assunção declara a intenção de constituir uma estrutura internacional com objetivo de construir um mercado comum que tem como objeto a coordenação política, cambial, monetária e fiscal. Em suma, o MERCOSUL visa a livre negociação de mercadoria, a liberdade de estabelecimento, a livre circulação de trabalhadores, a livre circulação de capital, como princípio orientador para o alcance dos seus objetivos, a flexibilidade e o equilíbrio recíproco, na busca do desenvolvimento dos países latino-americanos, baseando-se para tanto na livre iniciativa e na competência dos investidores.
Essa idéia, entre outras, motivou o governo brasileiro a buscar soluções para as empresas estatais, as quais sempre operaram em déficit, porque o estado federativo, no período revolucionário, na excessiva vigilância pela segurança nacional tratava o capital como essência volátil, mantendo-o em espaços hermeticamente fechados, ficando assim, as empresas administradas por generais e coronéis que tinham como senso administrativo “ordinário, marche!”, esse pensamento antiquado, com ranço revolucionário perdurou até o início da segunda metade da década de noventa, quando foi decidido a privatização, como solução única que possibilitaria o crescimento da emperrada engrenagem econômica brasileira. Neste trabalho, nos limitaremos a analisar a privatização do fornecimento de energia elétrica mediante concessionárias de serviço público.

2. Atirando num alvo e acertando noutro
Mediante protesto popular, sempre regenciado por radicais bem-feitores e aproveitadores oportunistas, organizaram-se os leilões e as privatizações foram feitas, para melhor compreensão, apresentamos a tabela que se segue, definindo os grupos adquirentes, o valor pago e a participação do estado mediante cota de representação.
Demonstrativo dos resultados da privatização

Nome Data dePrivatização Área de ServiçoLocalização Comprador PreçoR$ Milh. %Vend. Ágio(%)
ESCELSA 12-Jul-95 ES IVEN S. A , GTD Participações 385,0 50,00 11,78
LIGHT 21-Mai-96 RJ AES; Houston; EdF; CSN. 2.230,0 51,00 0,00
CERJ 20-Nov-96 RJ Endesa(Sp); Enersis; Ed Port. 605,3 70,26 30,27
COELBA 31-Jul-97 BA Iberdrola; BrasilCap; Previ; BBDTVM 1.730,9 65,64 77,38
AES SUL 21-Out-97 RS AES 1.510,0 90,91 93,56
RGE 21-Out-97 RS CEA; VBC ; Previ 1.635,0 90,75 82,70
CPFL 05-Nov-97 SP VBC ; Previ; Fundação CESP 3015,0 57,60 70,10
ENERSUL 19-Nov-97 MS Escelsa 625,6 76,56 83,79
CEMAT 27-Nov-97 MT Grupo Rede; Inepar 391,5 85,10 21,09
ENERGIPE 03-Dez-97 SE Cataguazes; Uptick 577,1 85,73 96,05
COSERN 11-Dez-97 RN Coelba; Guaraniana; Uptick 676,4 77,92 73,60
COELCE 02-Abr-98 CE Consócio Distriluz (Enersis Chilectra, Endesa, Cerj) 867,7 82,69 27,20
ELETROP. ** 15-Abr-98 SP Light 2.026,0 74,88 0,00
CELPA 09-Jul-98 PA QMRA Participações S. A. (Grupo Rede e Inepar) 450,3 54,98 0,00
ELEKTRO ** 16-Jul-98 SP / MS Grupo Enron Internacional 1.479,0 46,60 98,94
CACHOEIRA DOURADA 05-Set-97 GO Endesa / Edegel / Fundos de Investimentos 779,8 92,90 43,49
GERASUL * 15-Set-98 RS Tractebel(Belga) 945,7 50,01 0,00
BANDEIRANTE* 17-Set-98 SP EDP (Portugal) - CPFL 1.014,0 74,88 0,00
CESP Tiête*** 27-Out-99 SP AES Gerasul Emp 938,07 - 29,97
BORBOREMA*** 30-Nov-99 PB Cataguazes-Leopoldina 87,38 - -
CELPE* 20-Fev-2000 PE Iberdrola/Previ/BB 1.780 79,62 -
CEMAR*** 15-06-2000 MA PP&L 552,8 86,25 -
SAELPA* 31-11-2000 PA Cataguazes-Leopoldina 363,0 - -
TOTAL 24.665,5


Inicialmente, queremos esclarecer que não contemos deter o desejo pulsante de manifestar opinião sobre o mau negócio feito pelo Brasil na privatização do sistema de fornecimento de energia elétrica. Conforme vimos na tabela anterior, o processo de privatização de todas as empresas do referido setor totaliza R$ 24.665,05 mi., para tanto as companhias de eletricidade brasileiras, por sua fragmentação, cedeu todo o acervo compreendido pelos postes, condutores, transformadores, prédios, créditos e tudo o mais (em todo o Brasil). É estarrecedor a recente decisão governamental referente a doação a título de incentivo ao investimento às citadas empresas concessionárias de R$ 3 mi., o que corresponde a aproximadamente 12,16% do valor da venda.
Essa política de dilapidação do patrimônio brasileiro se faz refletir nos escândalos constantes que aflora a ponta do iceberg quando em vez, quando alguém publica os desvios de milhões de dólares para paraísos fiscais. Entendemos que a falta de programação, ou quem sabe, a busca de satisfazer o desejo insanável de arregimentar fortuna e poder tenha sido o nexo causal que direcionou as privatizações. Contudo, atirando num alvo e acertando noutro, o governo possibilitou um crescimento em todos os segmentos privatizados.
É oportuno neste momento fugir um pouco da privatização do setor de energia elétrica, só para demonstração do bem social da privatização em geral. No início dos anos noventa, sem a privatização da telecomunicação em Pernambuco, havia uma chamada pré-inscrição para a aquisição de uma linha dos serviços telefônicos onde o postulante a aquisição pagava uma quantia não-acessível às pessoas de classe média baixa, e após pagar essa inscrição passavam anos e anos na fila de espera, na mesma época, outro segmento da sociedade, como políticos e seus amigos, com acesso ao serviço de telecomunicação, compravam essas linhas sem a necessidade da pré-inscrição e locavam-nas a quem delas necessitasse o uso, criando, ilegitimamente, uma fonte de renda às custas da exploração da indefesa população. No mesmo sentido a prática era também aplicada no setor de eletrificação rural, em que só eram energizadas as propriedades dos apadrinhados políticos, enquanto que para o exercício dessa prática, os cargos de diretores eram preenchidos por filhos de políticos ou aposentados coronéis que cumpriam seus expedientes se fazendo representar pelo paletó empoeirado que ocupava sua cadeira como aviso aos que pelas salas transitavam de que “o Dr. Estava no prédio”. Esse era o cenário das empresas estatais.

3. Dois pesos, duas medidas!
Sem saber ao certo o desencadeamento resultante das privatizações do setor de energia elétrica, o poder público ao concluir a dilaceração do monopólio estatal, fez com que o estado deixasse de ser o fornecedor de energia elétrica aos consumidores, fazendo-se intermediar por concessionários. Tal feito fez com que, além de melhorar o atendimento ao consumidor, eclodisse uma nova visão tributária, já que o estado perdeu o controle acionário, passando a figurar em algumas empresas como acionista, a exemplo da CELPE, de apenas 20.38%, tornando o grupo adquirente dominante acionista com respectiva responsabilidade tributária.
Por sua vez, os municípios, na tentativa de ampliar a sua arrecadação e já com a perca do domínio estatal, empreita acertivamente a cobrança do uso do solo, senão vejamos, a posteação e rede elétrica dos condutores de energia elétrica estão implantados em solo público (ruas, praças, jardins, rodovias etc.) sem pagamento de qualquer taxa por tal uso. Vale salientar, para efeito de melhor esclarecimento que taxa é a contribuição contra a prestação de serviço, não podendo ser confundida com locação. Por sua vez a CELPE, tem cobrado de uma outra prestadora de serviços, a TELEMAR, pelo uso dos postes, para que esta apóie seus condutores na referida posteação, tal relacionamento criou também a adoção do vocábulo compartilhamento para este fim, id est , compartilhamento passou a ter uma outra significação, porque desta feita o compartilhamento resulta de um acordo firmado e oneroso. Por analogia, podemos concluir que, já que o compartilhamento dos postes a título oneroso foi possível e é matéria pacífica pelos seus contratos, é por demais justo o compartilhamento oneroso, do solo público, entre o município e a concessionária de energia elétrica, afinal de contas é uma prática já existente entre as concessionárias, as quais na troca de figurinhas em busca da melhor fatia do mercado pagam e recebem pelo compartilhamento, ao mesmo tempo em que usam o solo, subsolo e espaço aéreo público municipal sem admitir a possibilidade de compartilhamento oneroso com o município, alguma coisa os concessionários herdaram das rançosas idéias da revolução responsáveis pela administração estatal “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.
Recentemente, com a publicação da Lei Complementar 116/03, estabeleceu-se a possibilidade da cobrança, por parte dos municípios do ISSQN – Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza – referente ao fornecimento de energia elétrica, passando a ser entendido como prestação de serviço,quebrando a hegemonia do entendimento do Sindicato dos Fornecedores de Energia Elétrica que, esquivando-se da tributação, defendia que não era uma prestação de serviço e sim um fornecimento de energia. Tal evasiva fere a lógica e nos leva a crer que a expressão fornecimento em substituição ao serviço não passa de fuga à responsabilidade tributária. Em nota recente, disse o presidente do referido sindicato “A Lei não opera milagres, os custos devem ser repassados aos consumidores.”, quando o assunto lhes interessa, a interpretação do texto legal vem mesmo antes dos efeitos tributários, pergunta-se usando da mesma lógica: Se a Lei não opera milagres, porque os municípios que pagam iluminação pública, não pode ser entidade legítima para firmar um compartilhamento oneroso às concessionárias como taxa pela utilização do espaço público?
Dois pesos, duas medidas! Os concessionários de energia elétrica definiram o compartilhamento que a eles interessa e rateiam entre si os custos, barateando seus produtos, ampliando assim seus lucros. Assim, como não há redução tarifária em razão do barateamento do fornecimento, como podem pretender os concessionários repassar aos contribuintes o tributo ou encargo que lhes couber? Essa filosofia da usura (Lei do Gerson “Tem que levar vantagem em tudo, certo?”), também como dizia meu avô, filósofo caipira, como o avô de todo mundo, filósofo o meu também era “Ninguém engarrafa mel sem lamber os dedos” – Lolô Coelho, fere o bolso do povo que já está cansado de pagar imposto do imposto, a exemplo do ICMs das faturas telefônicas que tem como base de cálculo o valor a ser pago, já estando embutido o imposto.

4. Conclusão
Hoje estamos diante do alicerce histórico do amanhã. Estamos vivendo mais um período de transformação da história brasileira, encontra-se no Congresso Nacional para apreciação e votação a Reforma Tributária, cujo texto legal só objetiva fazer caixa, entretanto sua adaptação trará ao povo brasileiro, de alguma sorte, um benefício positivo, pois este povo abençoado por Deus, no dizer de Ary Barroso, é também alquimista que conseguirá extrair o bem social do inóspito tributário que ataca assalariados e reduz a quase a metade os ganhos resultantes de seu trabalho, enquanto que o resultante da arrecadação é vergonhosamente gasto com fins políticos.
É estarrecedor apenas pensar no quanto o Congresso Nacional gasta só com publicações dos seus discursos, que, na maioria das vezes, não têm nenhuma valia, enquanto que os municípios, que são as fontes do atendimento social, vêm sofrendo seguida redução no Fundo de Participação que os têm levado a um estado de falência, afetando diretamente ao contribuinte. Assim, nada mais justo que o município seja beneficiado com uma pequena fatia tributária da utilização do solo, subsolo e espaço aéreo pelas concessionárias de serviço público, sem, é claro, aumento tarifário ao consumidor final.
A privatização foi a idéia certa pela prática errada que de alguma forma vem trazendo bons frutos a sociedade. O tempo acomodador dos fatos vem acomodando as erradas teorias numa prática correta, resultante da livre iniciativa que tem como base elementar a concorrência. Um dia findará esse capítulo histórico e essa discórdia se acomodará, entretanto haverá sempre outro ponto discordante, no qual o cume da sociedade sempre se fez e se fará representar por uma minoria dominante que discutem entre si a melhor forma de tirar do povo.

5. Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Elizabeth Accioly Pinto de. O Destino do Mercosul: Mercado Comum ou Zona de Livre Comércio, in Revista Jurídica da UEPG, ano I, Vol. I, Ponta Grossa, 1977.
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1990.
REZENDE, Fernando. A moderna tributação do consumo. In: Mattos Filho, Ary Oswaldo. (coord.) Reforma fiscal: coletânea de estudos técnicos. São Paulo: DBA Dórea Books and Art, 1994. vol 2. p. 355-402.
SANTIAGO, Igor Mauler. A harmonização das legislações tributárias no Mercosul. Consultado na INTERNET, em 17 de janeiro de 2000.
VENTURA, Deisy de Freitas Lima, A Ordem Jurídica do Mercosul. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1996.

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