Thursday, August 31, 2006

Minha casa tem encanto
Que nenhuma outra tem
Tem terraço, tem jardim...
Tem horto, tem pomar.
Tem revoada de pardais,
Tem canto de sabiás
Na alvorada o sol
Invada a janela
O cheiro de flor de laranja
Toma conta da ambiente
A mesa bolo de milho
Café quinzinho quente

Teu poema

Prometi um poema
Não disse o tema
Disse apenas que.
Que a poesia não tem fronteira
Fado coração com afeto
Não teme protesto
De namorado ou marido
E um pensar atrevido
Que suplica a alma.
Que fale do coração
Diga da dor do desejo
Que toques nunca tocados
Dos carinhos sonhados
Como te falar destes sentimentos
Assim, de supetão.
Já que nunca percebeste
Mesmos sentimentos
Atrevido como um ladrão.
Apodero me em sonho
Do que tem dono
Mas, como conter a paixão.
Esta do há muito me consome
Um ardente desejo de homem
Que só em vê-la
Bate mais forte meu coração
Es a mulher mais desejável
Tens um corpo adorável
Olhos que emanam ternura
A mais linda criatura;
A firmo com certeza
Es a mais linda mulher
Criada pela natureza
Sou teu admirador confesso
Assumindo minha paixão
Faço-te, estes versos.
Fadando de meu desejo
Sonhando um sempre esperado beijo
Saúdo-te minha musa
Motiva inspiração
Dona de meu coração.

Poemas aos ventos

A atmosfera que te envolve,
atinge tais atmosferas,
que transforma muitas coisas
que te concerne ou cercam.


E, como as coisas, palavras...
impossíveis de poema:
exemplo à palavra conta
e até este poema senti.


É certo que tua pessoa
não me faz dormir, desperta,
desperto para um sonho e,
em sonho sempre a ti vejo


Sempre debruçada na seda
onde vejo tua silhueta,
e da fresta, a pálida lua
ilumina tua pele nua...


Não há contraste, tua pele
entre a prata luz do luar
e tua macia carne nua,
equilíbrio de cor e sedução.


É certo que a superfície
de tua pessoa externa
de tua pele e de tudo
isso que em si tateia.


Nada tem da superfície
luxuosa, falsa, acadêmica,
de uma superfície quando
se diz que ela é “uma seda”


Não é a ternura da pele
a doçura de teus lábios
que a perpetrar diferente,
mas a veracidade do ser


Mas em ti, em algum ponto,
talvez fora de ti mesma
talvez mesmo no ambiente
que ilumina quando chegas


Tua sedução dominante,
abraça o meu carente ser .
Descortina horizontes.
Faz-me grato tua existência.



Capítulo II



Esqueço métrica e rima
sigo o que instinto ensina
pra dizer de um sonho
Que foi real suponho...

Frente à multidão, eu só
e confuso braço agitado
deixei cair a mão
que repousou macia
entre tua macias pernas,
que desapercebida vinha,.
A confusão me entonteceu,
Devia desculpas,
pelo feliz desatino
não me desculpei
Acordado sonhei...
a maciez tua em mim
mesmo por acidente
pude sentir a intimidade
mesmo sem maldade
como desejei fosses minha.
De repente saio da realidade
para o sonho de tesão
volto-me, puxo-a, beijo-te
e sou beijado, um forte abraço
tua boca encontra a minha
teu corpo junto ao meu
loucura de desejo.
Em seguida logo vejo
você que elegante se afasta
só trombou em mim
e o desejo e sentimentos
foram somente meus.
Tardiamente, perdão senhora...
mas se assim procedo
É que só agora te conheço
mas a muito te espero
serás o beijo melhor de minha vida,
ou talvez o pior... Glória e tormento,
contigo à luz do firmamento subi,
contigo fui pela infernal descida
e do teu susto amargo me alimento
beijo extremo, meu prêmio, meu castigo
batismo e extrema-unção, naquele instante
por feliz eu não morri de castigo
incidente bendito e anseio delirante
perpetua saudade de instante.



Capítulo III



Pedi pra dizer de meus sentimentos
falar de tua importância e anseio,
permitisse ao poeta afoitar
ousadia de poeta é amar


Eu te amo
antes e depois de todos os acontecimentos.
Na profunda imensidão do vazio
e a cada lágrima dos meus pensamentos.


Eu te amo
em todos os ventos que cantam,
em todas as sombras que choram,
na extensão infinita dos campos,
até a região onde os silêncios moram.


Eu te amo
em todas as transformações da vida
em todos os caminhos do medo,
na angústia da vontade perdida
e na dor que se veste em segredo.


Eu te amo
em tudo que estás presente
no olhar dos astros que te alcançar
e em tudo que ainda estás ausente.


Eu te amo
desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
e antes do primeiro riso.
Eu te amo perdidamente
desde a grande nebulosa
amo-te faz tempo, desde agora.



Capítulo IV
Galope do sonhador



Ao olhar mostras a singeleza,
fortaleza sutil e mansa
que debela minha alma.
Açoita meus desejos de macho
égua me conduz a galopes
agarro tuas transas crinas
e tuas ancas em açoites.
Assim, atira-me no abismo,
caio de tua garupa.
A letargia que reprimi
fortalece e conflita
fortalece o homem
e conflita espera.




Capítulo V
Crime e castigo de um sonhador



Escuta-me e assim saberás,
o que o amor exprime,
e ao meu desejo clama.
Amo-te e tocar-te é crime,
se não por ação,
mas por aspiração.
Sou criminoso.
És vítima indefesa
de um potencial criminoso,
por mais que tenha remorso
deixar o crime não posso.
Quanto mais te vejo
maior é o meu crime,
mais ardente meu desejo.
Desejo consumir teus beijos,
deitar minha mão sobre teus seios,
fazer-te minha,
entrar nas tuas entranhas....
....................................................
Tua ausência, meu castigo.
Perdoa meu delito,
aquieta-me no teu colo,
deixa que meu coração repouse
junto a teu peito.
Assusta o temor que me aniquila
sufoca minha boca
com tua boca.
Como castigo, mate-me,
mate-me de prazer
antes que eu morra de desejo.










Analogia


Meu doce, mel
Ricamente embrulhado
(elegante vestis).
Papel alumínio revestimento interno.
(Lingerie intima e transparente).
Visão de agradável estima
Faz salivar, abundante enzima.
Desembrulho cuidadosamente
(Tiro lhe as vestis).
Deixo a mostra à cobertura de chocolate.
Tua pele banco,
(chocolate lacta).
A auréola rosada de teu peito
Chocolate ao leite.
Tua calcinha acetinada
Ultima invólucro.
Amostra um bombom
Recheado de passa e leite de moça
Do recheio um néctar
A forma do bombom, majestosa, impar.
Mordo gentil e maliciosamente
Beijo tua boca
Lá o sabor com emoção
Dentro na camada mais profunda
Encontro mel e creme goiaba.
Tua gruta, a casa de chocolate
Maria de Joãozinho
E eu, Joãozinho de Maria.
O fadário a impossibilidade instantânea
Mas com Joãozinho e Maria
Venceremos a bruxa.
Água meus netinhos.
Azeite, senhora velha.









Cobriras minha face de rosas,
Enquanto meu corpo ainda cálido
Com ansiedade e sofreguidão
Esperam fechar o esquife
Retalharão minhas atitudes,
E no inventario de nefasto
Justiçarão meus atos
Palhaços hipócritas
Esquecidos da própria sorte
Piedosos infames
Esquecem de reverenciar
para em conforto próprio
exaltar minha partida.

Evolução

A água que bebo já foi
Mineral vegetal animal e homem


A chuva que agora chove,
Já foi chuva outras vezes
Os Animais que agora correm
já foram vegetal uma vez
Os vegetais nasceram
Tem em suas origem o mineral
E os minerais isolados ou compostos
Tem suas origens na tabela periódica
Mesmo os ainda desconhecidos.
Alimentam vegetais que nutrem os animais
Os animais são compostos de minerais
Alimentam-se de animais e vegetais
A evaporação é fenômeno físico
A água que evapora continua sendo água
Concluído este infindo circulo....
Nasce mineral cresse vegetal
Teve entendimento como Animal
E raciocínio com homem
fantasia em um dia de chuva no valado

Wednesday, August 16, 2006

Socrates: Filosofo maior

Apologia de Socrates

A Apologia, que se crê ser a mais autêntica de entre as autodefesas de Sócrates conhecidas, põe a personagem principal a falar, longamente com as próprias palavras ele utilizou no julgamento em 399 a. C.. Acusado de impiedade e de corrupção da juventude por Metelo, Ânito e Lícon, o velho educador e filósofo de 70 anos fez um apelo vigoroso à absolvição. O tribunal, composto por 501 cidadãos por votação, consideram Sócrates culpado por maioria de votos 281 contra 220, e condenaram-no à morte. Após um curto período de prisão, Sócrates morre depois de ter bebido a cicuta. De acordo com a tradição, Platão, discípulo de Sócrates e seu maior admirador, estava doente e não pôde assistir ao julgamento, mas as provas apresentadas no texto indicam que ele terá estado presente.

A Apologia começa por uma introdução em que Sócrates explica o seu estilo de discursar. A isto segue-se uma lista de acusações específicas, com referência à sua vida e actividades quotidianas. Responde com alguma profundidade a cada uma das acusações de que é alvo. Depois de relatar a defesa de Sócrates, Platão relata as tentativas do mestre para que seja diminuída a pena que lhe é imposta. Finalmente, Sócrates faz uma censura profética aos juízes por supor que eles vão viver sem problemas de consciência depois de pronunciarem a sentença de morte.

Na declaração de abertura, Sócrates explica o estilo coloquial que utilizará na sua defesa. Os acusadores tinham avisado os cidadãos para estarem prevenidos, se não quisessem ser enganados pela oratória de Sócrates quando ele tentasse provar a sua inocência. Sócrates insiste que não é um orador nem um retórico. Em vez disso, está acostumado a vestir a verdade com linguagem comum, de modo a que todos possam seguir o seu raciocínio. Conclui que os ouvintes devem julgar a causa e não a sua maneira de falar.

Na sua defesa, Sócrates responde a dois tipos de acusações: a primeira, mais antiga, mais generalizadora, e a Segunda, a acusação do momento, feita pelos três acusadores no tribunal. Teme mais a primeira acusação do que a Segunda, porque não pode enfrentar os acusadores quando refuta simples rumores e insinuações. As queixas contra a sua conduta foram-se acumulando ao longo dos anos: é tido como um «criminoso e metediço, que perscruta o que se passa debaixo da terra e dentro do céu, torna a causa má e ensina a fazerem como ele».

Sócrates declara que as acusações são falsas. Para se defender cita a comédia As Nuvens, de Aristófanes, em que uma personagem chamada Sócrates insinua que pode andar pelo ar. Este cenário tolo, por mais inocente que fossem as intenções, contribui para a sua má reputação. Outro rumor insinua que investiga matérias sobrenaturais, tanto acima como abaixo da terra. Assegura à assistência que nunca se interessou pelas ciências práticas, e embora admire os físicos e se recuse a considerá-los maldosos no seu trabalho, Sócrates insiste que as suas maiores preocupações são a conduta moral e a felicidade da alma.

Depois disto a defesa de Sócrates vai concentrar-se nas acusações específicas do seu principal acusador, Metelo. Interroga Metelo sobre a acusação de que ele, Sócrates, é um demónio, um corruptor da juventude, um ateu que procura criar os seus própros deuses. Devido à amabilidade de Sócrates no interrogatório, Metelo tropeça nas próprias palavras. Torna-se evidente para os membros do tribunal que Metelo não tinha pensado bem nas acusações que fez nem nas suas possíveis ramificações. Quanto ao ateísmo, Metelo volta a confundir-se nas alegações, parecendo acusar Sócrates de ser ateu como de inventar novas divindades.

Chegando a este ponto, Sócrates analisa outra questão importante - deveria mudar o estilo de investigar e de ensinar para afastar a possibilidade de ser executado. Compara a situação com o seu comportamento honroso no campo de batalha quando serviu no exército. Para Sócrates, a morte é preferível à desgraça. Escolhe viver de acordo com a vontade dos deuses, para cumprir a sua missão de filósofo. A verdadeira desgraça seria desobedecer aos deuses para salvar a própria vida. Para Sócrates, esta via estreita conduz à sabedoria, à verdade e ao «maior aperfeiçoamento da alma».

Num resumo simples das suas intenções, Sócrates dirige-se directamente aos Atenienses: «[...] absolvei-me ou não, mas tende por certo que jamais farei outra coisa, ainda que houvesse de morrer mil vezes.» Menciona os outros discípulos que ensinou, os quais, se tivessem realmente sido corrompidos, se juntariam a Metelo e Ânito na acusação. Sócrates gaba-se de que entre os seus alunos se contam alguns dos seus melhores amigos e defensores fiéis. Apontando vários que se encontravam entre a assistência. Mais, recusa-se a exibir a família e a simpatia dela para fazer pender a opinião dos juízes a seu favor. A defesa é a verdade.

Depois da votação, Sócrates mostra-se surpreendido pelos votos a favor dele terem sido tantos. Segundo as leis atenienses, ele poderia propor uma pena alternativa, como uma multa pesada, o ostracismo ou outros métodos de pagar a sua dívida à sociedade. Sócrates rejeita as alternativas óbvias e pede que o tribunal lhe imponha uma sentença em que seja alimentado pelo estado, ele que dedicou toda a vida ao serviço público e à educação da juventude.

À sugestão de que poderia escapar à sentença de morte se concordasse em acabar com as perguntas, que tendem a tornar-se suspeitas e controversas, Sócrates volta a afirmar que não desobedecerá à ordem do deus e que não se calará. Defende, pelo contrário, uma vida de procura da virtude, dizendo que «uma vida sem exame não vale a pena ser vivida». Só pede um favor: que o tribunal tenha olho nos filhos que estão a crescer e os castigue se verificar que eles estão a tornar-se materialistas, pretensiosos ou inúteis.

Completada a sua defesa, Sócrates aconselha o tribunal a não se felicitar por ter livrado Atenas de um perturbador. Não terão paz nem honra por causa da sua decisão, pois a execução de Sócrates fará mais mal aos algozes do que à vítima. Na opinião de Sócrates, evitar a morte é menos importante do que viver sem virtude. A frase de despedida expressa a sua filosofia de vida:

«E agora chegou a hora de nos irmos, eu para morrer, vós para viver; quem de nós fica com a melhor parte ninguém sabe, excepto o Deus.»

Inúmeras são versões
Em princípio, ó atenienses, é legítimo que eu me defenda das calúnias das primeiras acusações que me foram dirigidas e dos primeiros acusadores, e depois das mais recentes acusações e dos novos acusadores. Pois muitos que se encontram entre vós já me acusaram no passado, sempre faltando com a verdade, e esses me causam bem mais temor do que Ânito e seus amigos, embora estes sejam acusadores perigosos. Mas os primeiros são muito mais perigosos, ó cidadãos, aqueles que convivendo com a maior parte de vós, como crianças que deviam ser educadas, procuraram convencer-vos de acusações não menos caluniosas contra mim: que existe um certo Sócrates, homem de muita sabedoria, que especula a respeito das coisas do céu, que esquadrinha todos os segredos obscuros, que transforma as razões mais fracas nas mais consistentes. Estes, ó atenienses, que propalaram essas coisas acerca de mim, são os acusadores que mais receio, porque, ao ouvi-los, as pessoas acreditam que quem se dedica a tais investigações não admite a existência dos deuses. E esses acusadores são muito numerosos e me acusaram há bastante tempo, e, o que é mais grave, caluniaram-me quando vós tínheis aquela idade em que é bastante fácil – alguns de vós éreis crianças ou adolescentes – dar crédito às calúnias, e assim, em resumo, acusaram-me obstinadamente, sem que eu contasse com alguém para me defender. E o que é mais assombroso é que seus nomes não podem sequer ser citados, exceto o de um comediógrafo; porém os outros – os que, por inveja ou por vício em fazer falsas acusações, procuraram colocar-vos contra mim, ou os que pretenderam convencer os outros por estarem verdadeiramente convencidos e de boa fé –, esses todos não podem ser encontrados, nem se pode exigir que ao menos alguns deles venham até aqui, nem acusar ninguém por difamação, e, em verdade, a fim de me defender só posso lutar contra sombras, e acusar de mentiroso a quem não responde. Portanto, vós deveis vos certificar de que existem duas categorias de acusadores: de um lado, os que me acusam há pouco tempo, e de outro, os que já me acusam há bastante tempo e dos quais tenho falado a respeito, e então reconhecereis que devo defender-me destes em primeiro lugar. Ainda mais porque esses acusadores fizeram-se ouvir por vós antes e mais demoradamente do que aqueles que vieram depois.


Defender-me-ei, portanto, ó atenienses, e assim descobrirei se aquela calúnia, que martiriza meu coração há tanto tempo, possa ser extirpada, embora deva fazê-lo em tão curto prazo. E se eu for bem-sucedido, se conseguir acarretar-vos algum benefício com a minha defesa, será excelente para vós e para mim. Bem sei quanto isto é difícil e tenho plena consciência da enorme dificuldade que me espera. Que tudo se passe de acordo com a vontade do Deus, pois à lei é necessário obedecer e defender-se.
Socrates, o filósofo, estava diáriamente na Ágora (sim, os gregos também tinham u m Sócrates e ele também era filósofo, embora não jogasse futebol). Alí ele trocava idéias com amigos e pensava sobre as coisas da vida, da política, da ciencia e da religião (naquela época os filósofos eram menos especializados que são hoje).

As sessões de filosofia e a liberdade com que Sócrates falava de todas as coisas, terminaram atraíndo a ira da elite local contra ele. Os gregos acreditavam que havia um estoque limitado de idéias, e que caras como Sócrates já tinham pensado a maioria delas. De fato, a obra de Platão, constituída em boa parte pelos diálogos de Socrates, é mais grossa que a biblia !

Naquela época (399 AC) Atenas vinha passando por tempos difíceis e as críticas repetidas de Sócrates aos governantes e a própria democracia irritavam os poderosos. Um jovem ambicioso chamado Meletus liderou a perseguição ao velho filósofo.

Socrates foi acusado de ser "instrumento do mal, subversor da juventude, que não acredita nos deuses e inventor das próprias divindades". Este é um tipo de julgamento que ocorreu muito ao longo de toda história: uma perseguição religiosa com motivação em mesquinhos interesses políticos.

O julgamento e a execução de Sócrates provavelmente ocorreram na Ágora ateniense. O juri era constituído de 501 jurados (eles levavam a democracia a sério). Ao invés de usar sua oratória eloqüente para defender-se das acusações, Sócrates preferiu questionar a base da acusação contra ele. Talvez tenha sido um grande erro. Ele terminou sendo condenado por uma margem estreita.

Após ser condenado, os Atenienses usavam a democracia mais uma vez para determinar a pena. Sócrates sugeriu de forma irônica uma multa mínima, enquanto que seu acusador pediu a morte. O juri votou novamente e decidiu - por 441 a 60 - que se um homem era culpado, ele deve ser punido [com a morte].

Após o julgamento, amigos sugeriram que Sócrates fugisse. É provavel até que seus inimigos esperassem que ele fugisse e se auto-exilasse. Mas ele preferiu ficar e ser executado. Essa é talvez uma das primeiras execuções exclusivamente por defesa de idéias.
A execução era feita com um veneno chamado sicuta. O carrasco sugeriu que Socrates ficasse quieto enquanto o veneno fazia efeito, para seu fim ser rápido. Se ele ficasse falando, o veneno demoraria mais e seria mais doloroso. Ele então disse: "pois traga bastante sicuta, que tenho muito a dizer". E morreu falando aos 70 anos, como tinha feito em toda a sua vida.

Embora muito afirmem que Este busto, esculpido após sua morte, reproduz as características principais de Socrates, conforme descritas por Platão: um pouco careca, nariz grosso e testa proeminente. Especula-se que, quando criança, o autor desta escultura tenha conhecido Sócrates.Porém podemos observar traços de uma masca fúnebre, a boca entreaberta, o ângulo de projeção do rosto em relação ao corpo, olhos abertos sem o globo ocular, expressão facial serena acentuada rugas na região frontal, posição do tenteado da barba para evitar a aderência do material de moldagem, a altura de queijo autoriza a presunção de um encosto de cabeça. As mascaras fúnebres eram muito usadas no período. Assim de nada invalida o busto só acrescenta autenticidade


Sócrates foi, provavelmente, o maior filósofo de todos os tempos. Ele viveu em Atenas, na Grécia, por volta de 500 anos antes do nascimento de Jesus. Foi a mente mais iluminada do ocidente em sua época, enquanto no oriente, por volta da mesma época aparecia um tal de Buda, que causou uma revolução no modo de pensar e se relacionar com a vida. Durante os seus 70 anos de vida, Sócrates procurou ensinar, através da dialética (diálogos), as verdades espirituais eternas, questionando sempre as falsas tradições da cultura helenística. Acabou despertando ódio e inimizades entre os detentores do poder e da cultura, que o acusavam de estar corrompendo a juventude ateniense. Foi levado a julgamento e condenado à morte pela ingestão de cicuta, um poderoso veneno.

O texto a seguir foi condensado do livro Apologia de Sócrates, escrita por Platão (seu principal discípulo). Ele descreve o julgamento de Sócrates, apresentando a sua defesa e suas considerações finais, após a sentença de condenação.

A DEFESA

A acusação diz: "Sócrates comete crime, investigando indiscretamente as coisas terrenas e as celestes, e tornando mais forte a razão mais débil, e ensinando aos outros". Mas nada disso tem fundamento, pois não instruo e nem ganho dinheiro com isso. Talvez pudessem dizer de mim: "Enfim, Sócrates, o que é que você faz? De onde nasceram essas calúnias? Se suas ocupações não fossem tão diferentes das dos outros, não teria ganho tal fama e não teriam nascido acusações".

Sócrates responde: Acontece que Xenofonte, uma vez indo a Delfos, ousou interrogar o oráculo e perguntou-lhe se havia alguém mais sábio do que eu. Ora, a pitonisa respondeu que não havia ninguém mais sábio. Ao ouvir isso, pensei: "O que queria dizer o deus e qual é o sentido das suas palavras? Sei bem que não sou sábio, nem muito nem pouco." E fiquei por muito tempo sem saber o verdadeiro sentido de suas palavras. Então resolvi investigar a significação do seguinte modo: Fui a um daqueles detentores da sabedoria, com a intenção de refutar, por meio deles, o oráculo e, com tais provas, opor-lhe a minha resposta: "Este é mais sábio que eu, enquanto você disse que sou eu o mais sábio". Examinando esse homem - não importa o nome, mas era um dos políticos - e falando com ele, parecia ser um verdadeiro sábio para muitos e, principalmente, para si mesmo. Procurei demonstrar-lhe que ele parecia sábio sem o ser. Daí veio o ódio dele e de muitos dos presentes aqui contra mim.

Então, pus-me a considerar comigo mesmo, que eu sou mais sábio do que esse homem, pois que, nenhum de nós sabe nada de belo e de bom, mas aquele homem acredita saber alguma coisa sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo de não saber. Parece, pois, que eu seja mais sábio do que ele nisso: não acredito saber aquilo que não sei.

Fui a muitos outros daqueles que possuem ainda mais sabedoria que esse, e me pareceu que todos são a mesma coisa. Daí veio o ódio deste e de muitos outros. E então me aconteceu o seguinte: procurando segundo o critério do deus, pareceu-me que os que tinham mais reputação eram os mais desprovidos, e que os considerados ineptos eram homens mais capazes quanto à sabedoria.

Também procurei os artífices e devo dizer que os achei instruídos em muitas e belas coisas. Eles, realmente, eram dotados de conhecimentos que eu não tinha e eram muito mais sábios do que eu. Contudo, eles tinham o mesmo defeito dos poetas: pelo fato de exercitar bem a própria arte, cada um pretendia ser sapientíssimo, também, nas outras coisas de maior importância e esse erro obscurecia o seu saber.

Dessa investigação, cidadãos atenienses, tanto me originaram calúnias como também me foi atribuída a qualidade de sábio. E totalmente empenhado em tal investigação, não tenho tido tempo de fazer nada de apreciável, nem nos negócios públicos, nem nos privados, mas encontro-me em extrema pobreza, por causa do serviço do deus. Além disso, os jovens, seguindo-me espontaneamente, gostam de ouvir-me examinar os homens. Eles, muitas vezes, me imitam por sua própria conta e decidem também examinar os outros, encontrando grande quantidade daqueles que acreditam saber alguma coisa mas pouco ou nada sabem. Daí, aqueles que são examinados encolerizam-se e, por essa razão, dizem que há um tal Sócrates que corrompe os jovens.

Saibam, quantos o queiram, que por esse motivo sou odiado; e que digo a verdade, e que tal é a calúnia contra mim e tais são as causas.

Cidadãos de Atenas, creio que vocês não têm nenhum bem maior do que este meu serviço do deus. Por toda a parte eu vou persuadindo a todos, jovens e velhos, a não se preocuparem exclusivamente com o corpo e com as riquezas, como devem se preocupar com a alma, para que ela seja o melhor possível. Absolvendo-me ou não, não farei outra coisa, nem que tenha de morrer muitas vezes. Dessa forma, parece que o deus me designou à cidade com a tarefa de despertar, persuadir e repreender cada um de vocês, por toda a parte, durante todo o dia. É possível que vocês, irritados como aqueles que são despertados quando no melhor do sono, levianamente me condenem à morte, para dormirem o resto da vida.


A CONDENAÇÃO

A minha impassibilidade, cidadão de Atenas, diante da minha condenação deriva, entre muitas razões, que eu contava com isso, e até me espanto do número de votos dos dois partidos. Por mim, não acreditava que a diferença fosse assim pequena.

Os meus acusadores pedem, para mim, a pena de morte. Que pena ou multa me merece? O que convém a um pobre benemérito que tem necessidade de estar em paz para lhes poder exortar ao caminho reto? Para um homem assim conviria que fosse nutrido e mantido pelo Estado. Por não terem esperado um pouco mais, vocês irão obter a fama e a acusação de haverem sido os assassinos de um sábio, de Sócrates. Pois bem, se tivessem esperado um pouco de tempo, a coisa seria resolvida por si mesma: vejam vocês a minha idade.

Talvez, senhores, o difícil não seja fugir da morte. Bem mais difícil é fugir da maldade, que corre mais veloz que a morte. Eu, preguiçoso e velho, fui apanhado pela mais lenta: a morte. Já os meus acusadores, válidos e leves, foram apanhados pela mais veloz: a maldade.

Assim, eu me vejo condenado à morte por vocês; vocês, condenados de verdade, criminosos de improbidade e de injustiça. Eu estou dentro da minha pena, vocês dentro da sua.

E estamos longe de julgar retamente, quando pensamos que a morte é um mal. Porque morrer é uma destas duas coisas: ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja; ou, como se costuma dizer, a morte é uma mudança de existência e uma migração deste lugar para outro.

Se, de fato, não há sensação alguma, mas é como um sono, a morte é como um presente, porquanto todo o tempo se resume em uma única noite.

Se a morte, porém, é como uma passagem deste para outro lugar e se lá se encontram todos os mortos, qual o bem que poderia existir maior do que este? Quero morrer muitas vezes, se isso é verdade, pois para mim a conversação acolá seria maravilhosa. Isso constituiria indescritível felicidade.

Vocês devem considerar esta única verdade: que não é possível haver algum mal para um homem de bem, nem durante sua vida, nem depois de morto. Por isso mesmo, o que aconteceu hoje a mim não é devido ao acaso, mas é a prova de que para mim era melhor morrer agora e ser liberto das coisas deste mundo. Por essa razão não estou zangado com aqueles que votaram contra mim, nem contra meus acusadores.

Mas já é hora de irmos: eu para a morte, e vocês para viverem. Mas quem vai para melhor sorte é segredo, exceto para Deus.


Sócrates, filósofo grego (Atenas 470/69 - ed. 399 a.C.)
Sócrates nasceu em uma família rica de Atenas, filho do escultor Sofronisco e da parteira Fenareta. Por um certo período, serviu no Exército, mas passou a maior parte da vida nas praças da cidade e nos mercados, conversando com as pessoas que lá encontrava. quando estava na casa dos 50 anos de idade, casou-se com Xantipa, com quem teve três filhos. As descrições que se fazem dele o pintam como alguém extremamente feio: barrigudo, com olhos esbugalhados e nariz arrebitado. Mas consta que era "agradabilíssimo". Apesar disso, foi condenado à morte por suas atividades filosóficas.
Sócrates foi, provavelmente, a figura mais enigmática de toda a história da filosofia, ele por si só foi um problema filosófico. Não escreveu nada, enquanto a produção literária de seu tempo era abundante; não fez carreira de professor, enquanto inúmeros contemporâneos seus aproveitaram o talento pedagógico, e apesar disso foi um dos filósofos que mais influenciaram o pensamento europeu. Sócrates é conhecido através de Aristófanes, que o denigre sob uma visão caricatural; de Xenofonte, que nos oferece dele uma imagem simplista; e de Platão, que lhe dá uma estatura fundamental na história da filosofia. Mas Platão, seu principal discípulo, ao que parece, teria feito de Sócrates um retrato fiel ou um retrato sublimado por sua devoção e seu própria genialidade? Essa questão ficou insolúvel e somente nos foi permitido extrair os traços comuns dos textos daqueles que o conheceram, sem deixar de lado elementos da visão que a tradição consagrou, que é a que maior influência exerceu no Ocidente. No final dos anos 1980, porém, o jornalista norte-americano Izzy Stone escreveu um livro respeitável e desmistificador a respeito do filósofo grego: O julgamento de Sócrates (1987). Para isso, empreendeu uma pesquisa longa e exaustiva, onde procurou reconstituir o retrato mais fiel possível do Sócrates histórico.
No entanto, no ano de 399 a.C., Sócrates foi acusado de "introduzir novos deuses" (as "vozes interiores divinas" que ele afirmava ouvir na cabeça) e corromper os jovens, além de não acreditar nos deuses venerados. O governo de Atenas foi uma das primeira democracias do mundo. Sócrates, por outro lado, não escondia que acreditava que seria melhor para o Estado ser governado por uma só pessoa, que ele qualificava como "aquele que sabe". Alguns consideravam os pontos de vista de Sócrates uma ameaça à estrutura da vida em Atenas. Preocupado com a influência antidemocrática de Sócrates sobre os jovens aristocratas (entre eles Platão) envolvidos no pensamento socrático, um júri de 501 membros o declarou culpado, por pequena maioria.
Ele poderia ter pedido clemência. Poderia ter salvado a vida concordando em sair de Atenas. Mas, agindo desse modo, Sócrates não teria sido coerente consigo mesmo. Para ele, a consciência - e a verdade - tinha mais calor do que a vida. Assegurou ao júri que agira apenas pelo melhor dos interesses do Estado, mas foi condenado a tomar cicuta. Embora lhe preparassem a fuga de Atenas, preferiu cumprir a sentença. Pouco depois da sentença, bebeu do veneno na presença de amigos e morreu. A democracia fracassava, ao permitir sua condenação e morte - e esse era, quase com certeza, o plano de Sócrates.
A Atenas da época de Sócrates era um importante centro de debates, visitado por todos os grandes pensadores de então. Um desses grupos de filósofos itinerantes era chamado de sofista. Os sofistas ensinavam por dinheiro, ao mesmo tempo que afirmavam que as indagações da filosofia, os enigmas do Universo, jamais seriam respondidas pelo mortal - uma perspectiva filosófica conhecida como ceticismo. Com os sofistas e Sócrates, o centro da reflexão filosófica grega deslocou-se dos problemas cosmológicos para os problemas humanos, particularmente a ética. E, para Sócrates, a virtude se identificaria com o saber: o homem só agiria mal por ignorância.
Assim como os sofistas, Sócrates tinha mais interesse no homem e em seu lugar na sociedade do que nas forças da Natureza. Ao contrário deles, Sócrates jamais recebeu dinheiro em troca de ensinamentos, e se distinguia dos sofistas em um outro aspecto bastante importante. Sócrates não se considerava um "sofista" - ou seja, uma pessoa erudita ou sábia. Tendo encontrado a sociedade ateniense minada pela demagogia e pelas repercussões negativas da desastrosa Guerra do Peloponeso, o filósofo teria se empenhado, a partir dos 40 anos, na reestruturação moral de seus concidadãos. Passou então a viver nas ruas de Atenas ensinando a virtude e a sabedoria. Não aceitava pagamento por isso e tampouco aceitou cargos públicos. Opôs-se aos sofistas, afirmando que o conhecimento é possível e que seu objeto primordial é a própria alma (Sócrates teria se inspirado no adágio do oráculo de Delfos: "Conhece-te a ti mesmo").
Ele achava que o filósofo é aquele que admite não entender inúmera coisas, e que se aflige com isso. Nesse sentido, o filósofo ainda é mais sábio do que aqueles que se orgulham do conhecimento que têm das coisas sobre as quais, na verdade, nada sabem. Sócrates declarou: "Só sei que nada sei".
Consta que um amigo de Sócrates perguntou ao oráculo de Delfos quem era o homem mais sábio de Atenas. O oráculo respondeu que, dentre todos os mortais, Sócrates era o mais sábio. Sócrates ficou pasmo ao saber disso. Procurou imediatamente a pessoa na cidade que, para ele e para todo mundo, era extremamente sábia. Mas quando aconteceu de essa pessoa não dar as respostas satisfatórias a suas perguntas, embora se achasse capaz disso, Sócrates concluiu que o oráculo estava certo. A sabedoria de Sócrates de devia ao faro de ele estar plenamente ciente da própria ignorância.
Embora colocasse em constante dúvida a extensão de seu conhecimento (um método que Descartes usaria cerca de dois mil anos mais tarde). Sócrates achava possível um homem alcançar verdades absolutas acerca do Universo. Ele sentia a necessidade de estabelecer uma base sólida para nosso conhecimento, um alicerce que, segundo ele, estaria na razão do homem. Com essa inabalável crença na razão humana, Sócrates era decididamente um racionalista.
Ele afirmava que era guiado por uma voz interior divina, e que essa "consciência" lhe dizia que ele estava certo. Ele disso: "Aquele que conhece o bem faz o bem". Com isso, queria dizer que o entendimento justo leva à ação justa. E só o justo pode ser um "homem virtuoso". Quando agimos erradamente é porque nada sabemos. Sócrates estava interessado em descobrir definições claras e universalmente válidas para o certo e o errado. Ao contrário dos sofistas, ele achava que a capacidade de distinguir o certo do errado está na razão das pessoas e não na sociedade.
A natureza essencial da arte de Sócrates está em que ele parecia não querer ensinar as pessoas. Pelo contrário, dava a impressão de desejar aprender com aqueles com quem conversava. Em vez de dar aulas como um mestre tradicional, debatia, simplesmente fazendo perguntas - principalmente para começar uma conversa - com se nada soubesse. Ao longo dos debates, em geral levava os oponentes a reconhecer a fraqueza de seus próprios argumentos e, encostados contra a parede, finalmente compreender o que estava certo e o que estava errado.
Partindo da consciência da própria ignorância ("Só sei que nada sei"), utilizava como método não a exposição, mas a dialética (aqui com o sentido de arte do diálogo e da discussão), que podia assumir duas formas distintas:
a ironia socrática, com a qual alegava ignorância em assuntos de que os outros se julgavam profundos conhecedores, apenas para demolir suas opiniões, levando o interlocutor à contradição e, desse modo, a purificar o espírito de idéias falsas e preconceitos. Ao se passar por ignorante, Sócrates obrigava as pessoas a usar o senso comum. Ele não hesitava em agir desse modo na praça da cidade;
e a maiêutica (arte de partejar os espíritos, numa alusão à profissão materna), pela qual Sócrates auxiliava o interlocutor a encontrar a resposta por meio de um trabalho de reflexão; em outras palavras, Sócrates via como sua tarefa ajudar as pessoas a "dar à luz" a compreensão correta, uma vez que o verdadeiro entendimento deve vir do interior. Ele não pode ser transmitido por outra pessoa. E só o entendimento que vem de dentro pode levar ao verdadeiro conhecimento.
A vida e o pensamento de Sócrates fascinaram os filósofos ocidentais e suscitaram uma admiração quase mística em Rousseau, Kant e Hegel, ao mesmo tempo que uma rejeição exemplar em Nietzsche, que via nele o aniquilador do mito em nome da razão.
Apologia de Socrates

A Apologia, que se crê ser a mais autêntica de entre as autodefesas de Sócrates conhecidas, põe a personagem principal a falar, longamente com as próprias palavras ele utilizou no julgamento em 399 a. C.. Acusado de impiedade e de corrupção da juventude por Metelo, Ânito e Lícon, o velho educador e filósofo de 70 anos fez um apelo vigoroso à absolvição. O tribunal, composto por 501 cidadãos por votação, consideram Sócrates culpado por maioria de votos 281 contra 220, e condenaram-no à morte. Após um curto período de prisão, Sócrates morre depois de ter bebido a cicuta. De acordo com a tradição, Platão, discípulo de Sócrates e seu maior admirador, estava doente e não pôde assistir ao julgamento, mas as provas apresentadas no texto indicam que ele terá estado presente.

A Apologia começa por uma introdução em que Sócrates explica o seu estilo de discursar. A isto segue-se uma lista de acusações específicas, com referência à sua vida e actividades quotidianas. Responde com alguma profundidade a cada uma das acusações de que é alvo. Depois de relatar a defesa de Sócrates, Platão relata as tentativas do mestre para que seja diminuída a pena que lhe é imposta. Finalmente, Sócrates faz uma censura profética aos juízes por supor que eles vão viver sem problemas de consciência depois de pronunciarem a sentença de morte.

Na declaração de abertura, Sócrates explica o estilo coloquial que utilizará na sua defesa. Os acusadores tinham avisado os cidadãos para estarem prevenidos, se não quisessem ser enganados pela oratória de Sócrates quando ele tentasse provar a sua inocência. Sócrates insiste que não é um orador nem um retórico. Em vez disso, está acostumado a vestir a verdade com linguagem comum, de modo a que todos possam seguir o seu raciocínio. Conclui que os ouvintes devem julgar a causa e não a sua maneira de falar.

Na sua defesa, Sócrates responde a dois tipos de acusações: a primeira, mais antiga, mais generalizadora, e a Segunda, a acusação do momento, feita pelos três acusadores no tribunal. Teme mais a primeira acusação do que a Segunda, porque não pode enfrentar os acusadores quando refuta simples rumores e insinuações. As queixas contra a sua conduta foram-se acumulando ao longo dos anos: é tido como um «criminoso e metediço, que perscruta o que se passa debaixo da terra e dentro do céu, torna a causa má e ensina a fazerem como ele».

Sócrates declara que as acusações são falsas. Para se defender cita a comédia As Nuvens, de Aristófanes, em que uma personagem chamada Sócrates insinua que pode andar pelo ar. Este cenário tolo, por mais inocente que fossem as intenções, contribui para a sua má reputação. Outro rumor insinua que investiga matérias sobrenaturais, tanto acima como abaixo da terra. Assegura à assistência que nunca se interessou pelas ciências práticas, e embora admire os físicos e se recuse a considerá-los maldosos no seu trabalho, Sócrates insiste que as suas maiores preocupações são a conduta moral e a felicidade da alma.

Depois disto a defesa de Sócrates vai concentrar-se nas acusações específicas do seu principal acusador, Metelo. Interroga Metelo sobre a acusação de que ele, Sócrates, é um demónio, um corruptor da juventude, um ateu que procura criar os seus própros deuses. Devido à amabilidade de Sócrates no interrogatório, Metelo tropeça nas próprias palavras. Torna-se evidente para os membros do tribunal que Metelo não tinha pensado bem nas acusações que fez nem nas suas possíveis ramificações. Quanto ao ateísmo, Metelo volta a confundir-se nas alegações, parecendo acusar Sócrates de ser ateu como de inventar novas divindades.

Chegando a este ponto, Sócrates analisa outra questão importante - deveria mudar o estilo de investigar e de ensinar para afastar a possibilidade de ser executado. Compara a situação com o seu comportamento honroso no campo de batalha quando serviu no exército. Para Sócrates, a morte é preferível à desgraça. Escolhe viver de acordo com a vontade dos deuses, para cumprir a sua missão de filósofo. A verdadeira desgraça seria desobedecer aos deuses para salvar a própria vida. Para Sócrates, esta via estreita conduz à sabedoria, à verdade e ao «maior aperfeiçoamento da alma».

Num resumo simples das suas intenções, Sócrates dirige-se directamente aos Atenienses: «[...] absolvei-me ou não, mas tende por certo que jamais farei outra coisa, ainda que houvesse de morrer mil vezes.» Menciona os outros discípulos que ensinou, os quais, se tivessem realmente sido corrompidos, se juntariam a Metelo e Ânito na acusação. Sócrates gaba-se de que entre os seus alunos se contam alguns dos seus melhores amigos e defensores fiéis. Apontando vários que se encontravam entre a assistência. Mais, recusa-se a exibir a família e a simpatia dela para fazer pender a opinião dos juízes a seu favor. A defesa é a verdade.

Depois da votação, Sócrates mostra-se surpreendido pelos votos a favor dele terem sido tantos. Segundo as leis atenienses, ele poderia propor uma pena alternativa, como uma multa pesada, o ostracismo ou outros métodos de pagar a sua dívida à sociedade. Sócrates rejeita as alternativas óbvias e pede que o tribunal lhe imponha uma sentença em que seja alimentado pelo estado, ele que dedicou toda a vida ao serviço público e à educação da juventude.

À sugestão de que poderia escapar à sentença de morte se concordasse em acabar com as perguntas, que tendem a tornar-se suspeitas e controversas, Sócrates volta a afirmar que não desobedecerá à ordem do deus e que não se calará. Defende, pelo contrário, uma vida de procura da virtude, dizendo que «uma vida sem exame não vale a pena ser vivida». Só pede um favor: que o tribunal tenha olho nos filhos que estão a crescer e os castigue se verificar que eles estão a tornar-se materialistas, pretensiosos ou inúteis.

Completada a sua defesa, Sócrates aconselha o tribunal a não se felicitar por ter livrado Atenas de um perturbador. Não terão paz nem honra por causa da sua decisão, pois a execução de Sócrates fará mais mal aos algozes do que à vítima. Na opinião de Sócrates, evitar a morte é menos importante do que viver sem virtude. A frase de despedida expressa a sua filosofia de vida:

«E agora chegou a hora de nos irmos, eu para morrer, vós para viver; quem de nós fica com a melhor parte ninguém sabe, excepto o Deus.»

Inúmeras são versões
Em princípio, ó atenienses, é legítimo que eu me defenda das calúnias das primeiras acusações que me foram dirigidas e dos primeiros acusadores, e depois das mais recentes acusações e dos novos acusadores. Pois muitos que se encontram entre vós já me acusaram no passado, sempre faltando com a verdade, e esses me causam bem mais temor do que Ânito e seus amigos, embora estes sejam acusadores perigosos. Mas os primeiros são muito mais perigosos, ó cidadãos, aqueles que convivendo com a maior parte de vós, como crianças que deviam ser educadas, procuraram convencer-vos de acusações não menos caluniosas contra mim: que existe um certo Sócrates, homem de muita sabedoria, que especula a respeito das coisas do céu, que esquadrinha todos os segredos obscuros, que transforma as razões mais fracas nas mais consistentes. Estes, ó atenienses, que propalaram essas coisas acerca de mim, são os acusadores que mais receio, porque, ao ouvi-los, as pessoas acreditam que quem se dedica a tais investigações não admite a existência dos deuses. E esses acusadores são muito numerosos e me acusaram há bastante tempo, e, o que é mais grave, caluniaram-me quando vós tínheis aquela idade em que é bastante fácil – alguns de vós éreis crianças ou adolescentes – dar crédito às calúnias, e assim, em resumo, acusaram-me obstinadamente, sem que eu contasse com alguém para me defender. E o que é mais assombroso é que seus nomes não podem sequer ser citados, exceto o de um comediógrafo; porém os outros – os que, por inveja ou por vício em fazer falsas acusações, procuraram colocar-vos contra mim, ou os que pretenderam convencer os outros por estarem verdadeiramente convencidos e de boa fé –, esses todos não podem ser encontrados, nem se pode exigir que ao menos alguns deles venham até aqui, nem acusar ninguém por difamação, e, em verdade, a fim de me defender só posso lutar contra sombras, e acusar de mentiroso a quem não responde. Portanto, vós deveis vos certificar de que existem duas categorias de acusadores: de um lado, os que me acusam há pouco tempo, e de outro, os que já me acusam há bastante tempo e dos quais tenho falado a respeito, e então reconhecereis que devo defender-me destes em primeiro lugar. Ainda mais porque esses acusadores fizeram-se ouvir por vós antes e mais demoradamente do que aqueles que vieram depois.

Defender-me-ei, portanto, ó atenienses, e assim descobrirei se aquela calúnia, que martiriza meu coração há tanto tempo, possa ser extirpada, embora deva fazê-lo em tão curto prazo. E se eu for bem-sucedido, se conseguir acarretar-vos algum benefício com a minha defesa, será excelente para vós e para mim. Bem sei quanto isto é difícil e tenho plena consciência da enorme dificuldade que me espera. Que tudo se passe de acordo com a vontade do Deus, pois à lei é necessário obedecer e se defender.

Nietzsche

Nietzsche
O Filósofo e o Músico
Solidão, Agonia e Morte
O Dionisíaco e o Socrático
O Vôo da Águia, a Ascensão da Montanha
Os Limites do Humano: O Além-do-Homem
Uma Filosofia Confiscada
Assim Falou Zaratustra
Vida e Obra


Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu a 15 de outubro de 1844 em Röcken, localidade próxima a Leipzig. Karl Ludwig, seu pai, pessoa culta e delicada, e seus dois avós eram pastores protestantes; o próprio Nietzsche pensou em seguir a mesma carreira.


Em 1849, seu pai e seu irmão faleceram; por causa disso a mãe mudou-se com a família para Naumburg, pequena cidade às margens do Saale, onde Nietzsche cresceu, em companhia da mãe, duas tias e da avó. Criança feliz, aluno modelo, dócil e leal, seus colegas de escola o chamavam "pequeno pastor"; com eles criou uma pequena sociedade artística e literária, para a qual compôs melodias e escreveu seus primeiros versos.


Em 1858, Nietzsche obteve uma bolsa de estudos na então famosa escola de Pforta, onde haviam estudado o poeta Novalis o filósofo Fichte (1762-1814). Datam dessa época suas leituras de Schiller (1759-1805), Hölderlin (1770-1843) e Byron (1788-1824); sob essa influência e a de alguns professores, Nietzsche começou a afastar-se do cristianismo. Excelente aluno em grego e brilhante em estudos bíblicos, alemão e latim, seus autores favoritos, entre os clássicos, foram Platão (428-348 a.C.) e Ésquilo (525-456 a.C.). Durante o último ano em Pforta, escreveu um trabalho sobre o poeta Teógnis (séc. VI a.C.). Partiu em seguida para Bonn, onde se dedicou aos estudos de teologia e filosofia, mas, influenciado por seu professor predileto, Ritschl, desistiu desses estudos e passou a residir em Leipzig, dedicando-se à filologia. Ritschl considerava a filologia não apenas história das formas literárias, mas estudos das instituições e do pensamento. Nietzsche seguiu-lhe as pegadas e realizou investigações originais sobre Diógenes Laércio (séc. III), Hesíodo (séc. VIII a.C.) e Homero. A partir desses trabalhos foi nomeado, em 1869, professor de filologia em Basiléia, onde permaneceu por dez anos. A filosofia somente passou a interessá-lo a partir da leitura de O Mundo como Vontade e Representação, de Schopenhauer (1788-1860). Nietzsche foi atraído pelo ateísmo de Schopenhauer, assim como pela posição essencial que a experiência estética ocupa em sua filosofia, sobretudo pelo significado metafísico que atribui à música.


Em 1867, Nietzsche foi chamado para prestar o serviço militar, mas um acidente em exercício de montaria livrou-o dessa obrigação. Voltou então aos estudos na cidade de Leipzig. Nessa época teve início sua amizade com Richard Wagner (1813-1883), que tinha quase 55 anos e vivia então com Cosima, filha de Liszt (1811-1886). Nietzsche encantou-se com a música de Wagner e com seu drama musical, principalmente com Tristão e Isolda e com Os Mestres Cantores. A casa de campo de Tribschen, às margens do lago de Lucerna, onde Wagner morava, tornou-se para Nietzsche lugar d "refúgio e consolação". Na mesma época, apaixonou-se por Cosima, que viria a ser, em obra posterior, a "sonhada Ariane". Em cartas ao amigo Erwin Rohde, escrevia: "Minha Itália chama-se Tribschen e sinto-me ali como em minha própria casa". Na universidade, passou a tratar das relações entre a música e a tragédia grega, esboçando seu livro O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música.


O Filósofo e o Músico


Em 1870, a Alemanha entrou em guerra com a França; nessa ocasião, Nietzsche serviu o exército como enfermeiro, mas por pouco tempo, pois logo adoeceu, contraindo difteria e disenteria. Essa doença parece ter sido a origem das dores de cabeça e de estômago que acompanharam o filósofo durante toda a vida. Nietzsche restabeleceu-se lentamente e voltou a Basiléia a fim de prosseguir seus cursos.


Em 1871, publicou O Nascimento da Tragédia, a respeito da qual se costuma dizer que o verdadeiro Nietzsche fala através das figuras de Schopenhauer e de Wagner. Nessa obra, considera Sócrates (470 ou 469 a.C.-399 a.C.) um "sedutor", por ter feito triunfar junto à juventude ateniense o mundo abstrato do pensamento. A tragédia grega, diz Nietzsche, depois de ter atingido sua perfeição pela reconciliação da "embriaguez e da forma", de Dioniso e Apolo, começou a declinar quando, aos poucos, foi invadida pelo racionalismo, sob a influência "decadente" de Sócrates. Assim, Nietzsche estabeleceu uma distinção entre o apolíneo e o dionisíaco: Apolo é o deus da clareza, da harmonia e da ordem; Dioniso, o deus da exuberância, da desordem e da música. Segundo Nietzsche, o apolíneo e o dionisíaco, complementares entre si, foram separados pela civilização. Nietzsche trata da Grécia antes da separação entre o trabalho manual e o intelectual, entre o cidadão e o político, entre o poeta e o filósofo, entre Eros e Logos. Para ele a Grécia socrática, a do Logos e da lógica, a da cidade-Estado, assinalou o fim da Grécia antiga e de sua força criadora. Nietzsche pergunta como, num povo amante da beleza, Sócrates pôde atrair os jovens com a dialética, isto é, uma nova forma de disputa (ágon), coisa tão querida pelos gregos. Nietzsche responde que isso aconteceu porque a existência grega já tinha perdido sua "bela imediatez", e tornou-se necessário que a vida ameaçada de dissolução lançasse mão de uma "razão tirânica", a fim de dominar os instintos contraditórios.


Seu livro foi mal acolhido pela crítica, o que o impeliu a refletir sobre a incompatibilidade entre o "pensador privado" e o "professor público". Ao mesmo tempo, esperava-se com seu estado de saúde: dores de cabeça, perturbações oculares, dificuldades na fala. Interrompeu assim sua carreira universitária por um ano. Mesmo doente foi até Bayreuth, para assistir à apresentação de O Anel dos Nibelungos, de Wagner. Mas o "entusiasmo grosseiro" da multidão e a atitude de Wagner embriagado pelo sucesso o irritaram.


Terminada a licença da universidade para que tratasse da saúde, Nietzsche voltou à cátedra. Mas sua voz agora era tão imperceptível que os ouvintes deixaram de freqüentar seus cursos, outrora tão brilhantes. Em 1879, pediu demissão do cargo. Nessa ocasião, iniciou sua grande crítica dos valores, escrevendo Humano, Demasiado Humano; seus amigos não o compreenderam. Rompeu as relações de amizade que o ligavam a Wagner e, ao mesmo tempo, afastou-se da filosofia de Schopenhauer, recusando sua noção de "vontade culpada" e substituindo-a pela de "vontade alegre"; isso lhe parecia necessário para destruir os obstáculos da moral e da metafísica. O homem, dizia Nietzsche, é o criador dos valores, mas esquece sua própria criação e vê neles algo de "transcendente", de "eterno" e "verdadeiro", quando os valores não são mais do que algo "humano, demasiado humano".


Nietzsche, que até então interpretara a música de Wagner como o "renascimento da grande arte da Grécia", mudou de opinião, achando que Wagner inclinava-se ao pessimismo sob a influência de Schopenhauer. Nessa época Wagner voltara-se, ao mesmo tempo, a recusa do cristianismo e de Schopenhauer; para Nietzsche, ambos são parentes porque são a manifestação da decadência, isto é, da fraqueza e da negação. Irritado com o antigo amigo, Nietzsche escreveu: "Não há nada de exausto, nada de caduco, nada de perigoso para a vida, nada que calunie o mundo no reino do espírito, que não tenha encontrado secretamente abrigo em sua arte; ele dissimula o mais negro obscurantismo nos orbes luminosos do ideal. Ele acaricia todo o instinto niilista (budista) e embeleza-o com a música; acaricia toda a forma de cristianismo e toda expressão religiosa de decadência" .


Solidão, Agonia e Morte


Em 1880, Nietzsche publicou O Andarilho e sua Sombra: um ano depois apareceu Aurora, com a qual se empenhou "numa luta contra a moral da auto-renúncia". Mais uma vez, seu trabalho não foi bem acolhido por seus amigos; Erwin Rohde nem chegou a agradecer-lhe o recebimento da obra, nem respondeu à carta que Nietzsche lhe enviara. Em 1882, veio à luz A Gaia Ciência, depois Assim falou Zaratustra (1884), Para Além de Bem e Mal (1886), O Caso Wagner, Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche contra Wagner (1888). Ecce Homo, Ditirambos Dionisíacos, O Anticristo e Vontade de Potência só apareceram depois de sua morte.


Durante o verão de 1881, Nietzsche residiu em Haute-Engandine, na pequena aldeia de Silvaplana, e, durante um passeio, teve a intuição de O Eterno Retorno, redigido logo depois. Nessa obra defendeu a tese de que o mundo passa indefinidamente pela alternância da criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. De Silvaplana, Nietzsche transferiu-se para Gênova, no outono de 1881, e depois para Roma, onde permaneceu por insistência de Fräulein von Meysenburg, que pretendia casá-lo com uma jovem finlandesa, Lou Andreas Salomé. Em 1882, Nietzsche propôs-lhe casamento e foi recusado, mas Lou Andreas Salomé desejou continuar sua amiga e discípula. Encontraram-se mais tarde na Alemanha; porém, não houve a esperada adesão à filosofia nietzschiana e, assim, acabaram por se afastar definitivamente.


Em seguida, retornou à Itália, passando o inverno de 1882-1883 na baía de Rapallo. Em Rapallo, Nietzsche não se encontrava bem instalado; porém, "foi durante o inverno e no meio desse desconforto que nasceu o meu nobre Zaratustra".


No outono de 1883 voltou para a Alemanha e passou a residir em Naumburg, em companhia da mãe e da irmã. Apesar da companhia dos familiares, sentia-se cada vez mais só. Além disso, mostrava-se muito contrariado, pois sua irmã tencionava casar-se com Herr Foster, agitador anti-semita, que pretendia fundar uma empresa colonial no Paraguai, como reduto da cristandade teutônica. Nietzsche desprezava o anti-semitismo, e, não conseguindo influenciar a irmã, abandonou Naumburg.


Em princípio de abril de 1884 chegou a Veneza, partindo depois para a Suíça, onde recebeu a visita do barão Heinrich von Stein, jovem discípulo de Wagner. Von Stein esperava que o filósofo o acompanhasse a Bayreuth para ouvir o Parsifal, talvez pretendendo ser o mediador para que Nietzsche não publicasse seu ataque contra Wagner. Por seu lado, Nietzsche viu no rapaz um discípulo capaz de compreender o seu Zaratustra. Von Stein, no entanto, veio a falecer muito cedo, o que o amargurou profundamente, sucedendo-se alternâncias entre euforia e depressão. Em 1885, veio a público a Quarta parte de Assim falou Zaratustra; cada vez mais isolado, o autor só encontrou sete pessoas a quem enviá-la. Depois disso, viajou para Nice, onde veio a conhecer o intelectual alemão Paul Lanzky, que lera Assim falou Zaratustra e escrevera um artigo, publicado em um jornal de Leipzig e na Revista Européia de Florença. Certa vez, Lanzky se dirigiu a Nietzsche tratando-o de "mestre" e Nietzsche lhe respondeu: "Sois o primeiro que me trata dessa maneira".


Depois de 1888, Nietzsche passou a escrever cartas estranhas. Um ano mais tarde, em Turim, enfrentou o auge da crise; escrevia cartas ora assinando "Dioniso", ora "o Crucificado" e acabou sendo internado em Basiléia, onde foi diagnosticada uma "paralisia progressiva". Provavelmente de origem sifilítica, a moléstia progrediu lentamente até a apatia e a agonia. Nietzsche faleceu em Weimar, a 25 de agosto de 1900.


O Dionisíaco e o Socrático


Nietzsche enriqueceu a filosofia moderna com meios de expressão: o aforismo e o poema. Isso trouxe como conseqüência uma nova concepção da filosofia e do filósofo: não se trata mais de procurar o ideal de um conhecimento verdadeiro, mas sim de interpretar e avaliar. A interpretação procuraria fixar o sentido de um fenômeno, sempre parcial e fragmentário; a avaliação tentaria determinar o valor hierárquico desses sentidos, totalizando os fragmentos, sem, no entanto, atenuar ou suprimir a pluralidade. Assim, o aforismo nietzschiano é, simultaneamente, a arte de interpretar e a coisa a ser interpretada, e o poema constitui a arte de avaliar e a própria coisa a ser avaliada. O intérprete seria uma espécie de fisiologista e de médico, aquele que considera os fenômenos como sintomas e fala por aforismos; o avaliador seria o artista que considera e cria perspectivas, falando pelo poema. Reunindo as duas capacidades, o filósofo do futuro deveria ser artista e médico-legislador, ao mesmo tempo.


Para Nietzsche, um tipo de filósofo encontra-se entre os pré-socráticos, nos quais existe unidade entre o pensamento e a vida, esta "estimulando" o pensamento, e o pensamento "afirmando" a vida. Mas o desenvolvimento da filosofia teria trazido consigo a progressiva degeneração dessa característica, e, em lugar de uma vida ativa e de um pensamento afirmativo, a filosofia ter-se-ia proposto como tarefa "julgar a vida", opondo a ela valores pretensamente superiores, mediando-a por eles, impondo-lhes limites, condenando-a. Em lugar do filósofo-legislador, isto é, crítico de todos os valores estabelecidos e criador de novos, surgiu o filósofo metafísico. Essa degeneração, afirma Nietzsche, apareceu claramente com Sócrates, quando se estabeleceu a distinção entre dois mundos, pela oposição entre essencial e aparente, verdadeiro e falso, inteligível e sensível. Sócrates "inventou" a metafísica, diz Nietzsche, fazendo da vida aquilo que deve ser julgado, medido, limitado, em nome de valores "superiores" como o Divino, o Verdadeiro, o Belo, o Bem. Com Sócrates, teria surgido um tipo de filósofo voluntário e sutilmente "submisso", inaugurando a época da razão e do homem teórico, que se opôs ao sentido místico de toda a tradição da época da tragédia.


Para Nietzsche, a grande tragédia grega apresenta como característica o saber místico da unidade da vida e da morte e, nesse sentido, constitui uma "chave" que abre o caminho essencial do mundo. Mas Sócrates interpretou a arte trágica como algo irracional, algo que apresenta efeitos sem causas e causas sem efeitos, tudo de maneira tão confusa que deveria ser ignorada. Por isso Sócrates colocou a tragédia na categoria das artes aduladoras que representam o agradável e não o útil e pedia a seus discípulos que se abstivessem dessas emoções "indignas de filósofos". Segundo Sócrates, a arte da tragédia desvia o homem do caminho da verdade: "uma obra só é bela se obedecer à razão", formula que, segundo Nietzsche, corresponde ao aforismo "só o homem que concebe o bem é virtuoso". Esse bem ideal concebido por Sócrates existiria em um mundo supra-sensível, no "verdadeiro mundo", inacessível ao conhecimento dos sentidos, os quais só revelariam o aparente e irreal. Com tal concepção, criou-se, segundo Nietzsche, uma verdadeira oposição dialética entre Sócrates e Dioniso: "enquanto em todos os homens produtivos o instinto é uma força afirmativa e criadora, e a consciência uma força crítica e negativa, em Sócrates o instinto torna-se crítico e a consciência criadora". Assim, Sócrates, o "homem teórico", foi o único verdadeiro contrário do homem trágico e com ele teve início uma verdadeira mutação no entendimento do Ser. Com ele, o homem se afastou cada vez mais desse conhecimento, na medida em que abandonou o fenômeno do trágico, verdadeira natureza da realidade, segundo Nietzsche. Perdendo-se a sabedoria instintiva da arte trágica, restou a Sócrates apenas um aspecto da vida do espírito, o aspecto lógico-racional; faltou-lhe a visão mística, possuído que foi pelo instinto irrefreado de tudo transformar em pensamento abstrato, lógico, racional. Penetrar a própria razão das coisas, distinguindo o verdadeiro do aparente e do erro era, para Sócrates, a única atividade digna do homem. Para Nietzsche, porém, esse tipo de conhecimento não tarda a encontrar seus limites: "esta sublime ilusão metafísica de um pensamento puramente racional associa-se ao conhecimento como um instinto e o conduz incessantemente a seus limites onde este se transforma em arte".


Por essa razão, Nietzsche combateu a metafísica, retirando do mundo supra-sensível todo e qualquer valor eficiente, e entendendo as idéias não mais como "verdades" ou "falsidades", mas como "sinais". A única existência, para Nietzsche, é a aparência e seu reverso não é mais o Ser; o homem está destinado à multiplicidade, e a única coisa permitida é sua interpretação.


O Vôo da Águia, a Ascensão da Montanha


A crítica nietzschiana à metafísica tem um sentido ontológico e um sentido moral: o combate à teoria das idéias socrático-platônicas é, ao mesmo tempo, uma luta acirrada contra o cristianismo.


Segundo Nietzsche, o cristianismo concebe o mundo terrestre como um vale de lágrimas, em oposição ao mundo da felicidade eterna do além. Essa concepção constitui uma metafísica que, à luz das idéias do outro mundo, autêntico e verdadeiro, entende o terrestre, o sensível, o corpo, como o provisório, o inautêntico e o aparente. Trata-se, portanto, diz Nietzsche, de "um platonismo para o povo", de uma vulgarização da metafísica, que é preciso desmistificar. O cristianismo, continua Nietzsche, é a forma acabada da perversão dos instintos que caracteriza o platonismo, repousando em dogmas e crenças que permitem à consciência fraca e escava escapar à vida, à dor e à luta, e impondo a resignação e a renúncia como virtudes. São os escravos e os vencidos da vida que inventaram o além para compensar a miséria; inventaram falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação nos valores dos senhores e dos fortes; forjaram o mito da salvação da alma porque não possuíam o corpo; criaram a ficção do pecado porque não podiam participar das alegrias terrestres e da plena satisfação dos instintos da vida. "Este ódio de tudo que é humano", diz Nietzsche, "de tudo que é 'animal' e mais ainda de tudo que é 'matéria', este temor dos sentidos... este horror da felicidade e da beleza; este desejo de fugir de tudo que é aparência, mudança, dever, morte, esforço, desejo mesmo, tudo isso significa... vontade de aniquilamento, hostilidade à vida, recusa em se admitir as condições fundamentais da própria vida".


Nietzsche propôs a si mesmo a tarefa de recuperar a vida e transmutar todos os valores do cristianismo: "munido de uma tocha cuja luz não treme, levo uma claridade intensa aos subterrâneos do ideal". A imagem da tocha simboliza, no pensamento de Nietzsche, o método filológico, por ele concebido como um método crítico e que se constitui no nível da patologia, pois procura "fazer falar aquilo que gostaria de permanecer mudo". Nietzsche traz à tona, por exemplo, um significado esquecido da palavra "bom". Em latim, bonus significa também o "guerreiro", significado este que foi sepultado pelo cristianismo. Assim como esse, outros significados precisariam ser recuperados; com isso se poderia constituir uma genealogia da moral que explicaria as etapas das noções de "bem" e de "mal". Para Nietzsche essas etapas são o ressentimento ("é tua culpa se sou fraco e infeliz"); a consciência da culpa (momento em que as formas negativas se interiorizam, dizem-se culpadas e voltam-se contra si mesmas); e o ideal ascético (momento de sublimação do sofrimento e de negação da vida). A partir daqui, a vontade de potência torna-se vontade de nada e a vida transforma-se em fraqueza e mutilação, triunfando o negativo e a reação contra a ação. Quando esse niilismo triunfa, diz Nietzsche, a vontade de potência deixa de querer significar "criar" para querer dizer "dominar"; essa é a maneira como o escravo a concebe. Assim, na fórmula "tu és mau, logo eu sou bom", Nietzsche vê o triunfo da moral dos fracos que negam a vida, eu negam a "afirmação"; neles tudo é invertido: os fracos passam a se chamar fortes, a baixeza transforma-se em nobreza. A "profundidade da consciência" que busca o Bem e a Verdade, diz Nietzsche, implica resignação, hipocrisia e máscara, e o intérprete-filólogo, ao percorrer os signos para denunciá-las, deve ser um escavador dos submundos a fim de mostrar que a "profundidade da interioridade" é coisa diferente do que ela mesma pretende ser. Do ponto de vista do intérprete que desça até os bas-fonds da consciência, o Bem é a vontade do mais forte, do "guerreiro", do arauto de um apelo perpétuo à verdadeira ultrapassagem dos valores estabelecidos, do super-homem, entendida esta expressão no sentido de um ser humano que transpõe os limites do humano, é o além-do-homem. Assim, o vôo da águia, a ascensão da montanha e todas as imagens de verticalidade que se encontram em Assim falou Zaratustra representam a inversão da profundidade e a descoberta de que ela não passa de um jogo de superfície.


A etimologia nietzschiana mostra que não existe um "sentido original", pois as próprias palavras não passam de interpretações, antes mesmo de serem signos, e se elas só significam porque são "interpretações essenciais". As palavras, segundo Nietzsche, sempre foram inventadas pelas classes superiores e, assim, não indicam um significado, mas impõem uma interpretação. O trabalho do etimologista, portanto, deve centralizar-se no problema de saber o que existe para ser interpretado, na medida em que tudo é máscara, interpretação, avaliação. Fazer isso é "aliviar o que vive, dançar, criar". Zaratustra, o intérprete por excelência, é como Dioniso.


Os Limites do Humano: O Além-do-Homem


Em Ecce Homo, Nietzsche assimila Zaratustra a Dioniso, concebendo o primeiro como o triunfo da afirmação da vontade de potência e o segundo como símbolo do mundo como vontade, como um deus artista, totalmente irresponsável, amoral e superior ao lógico. Por outro lado, a arte trágica é concebida por Nietzsche como oposta à decadência e enraizada na antinomia entre a vontade de potência, aberta para o futuro, e o "eterno retorno", que faz do futuro numa repetição; esta, no entanto, não significa uma volta do mesmo nem uma volta ao mesmo; o eterno retorno nietzschiano é essencialmente seletivo. Em dois momentos de Assim falou Zaratustra (Zaratustra doente e Zaratustra convalescente), o eterno retorno causa ao personagem-título, primeiramente, uma repulsa e um medo intoleráveis que desaparecem por ocasião de sua cura, pois o que o tornava doente era a idéia de que o eterno retorno estava ligado, apesar de tudo, a um ciclo, e que ele faria tudo voltar, mesmo o homem, o "homem pequeno". O grande desgosto do homem, diz Zaratustra, aí está o que me sufocou e que me tinha entrado na garganta e também o que me tinha profetizado o adivinho: tudo é igual. E o eterno retorno, mesmo do mais pequeno, aí está a causa de meu cansaço e de toda a existência. Dessa forma, se Zaratustra se cura é porque compreende que o eterno retorno abrange o desigual e a seleção. Para Dioniso, o sofrimento, a morte e o declínio são apenas a outra face da alegria, da ressurreição e da volta. Por isso, "os homens não têm de fugir à vida como os pessimistas", diz Nietzsche, "mas, como alegres convivas de um banquete que desejam suas taças novamente cheias, dirão à vida: uma vez mais".


Para Nietzsche, portanto, o verdadeiro oposto a Dioniso não é mais Sócrates, mas o Crucificado. Em outros termos, a verdadeira oposição é a que contrapõe, de um lado, o testemunho contra a vida e o empreendimento de vingança que consiste em negar a vida; de outro, a afirmação do devir e do múltiplo, mesmo na dilaceração dos membros dispersos de Dioniso. Com essa concepção, Nietzsche responde ao pessimismo de Schopenhauer: em lugar do desespero de uma vida para a qual tudo se tornou vão, o homem descobre no eterno retorno a plenitude de uma existência ritmada pela alternância da criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. O eterno retorno, e apenas ele, oferece, diz Nietzsche, uma "saída fora da mentira de dois mil anos", e a transmutação dos valores traz consigo o novo homem que se situa além do próprio homem.


Esse super-homem nietzschiano não é um ser, cuja vontade "deseje dominar". Se se interpreta vontade de potência, diz Nietzsche, como desejo de dominar, faz-se dela algo dependente dos valores estabelecidos. Com isso, desconhece-se a natureza da vontade de potência como princípio plástico de todas as avaliações e como força criadora de novos valores. Vontade de potência, diz Nietzsche, significa "criar", "dar" e "avaliar".


Nesse sentido, a vontade de potência do super-homem nietzschiano o situa muito além do bem e do mal e o faz desprender-se de todos os produtos de uma cultura decadente. A moral do além-do-homem, que vive esse constante perigo e fazendo de sua vida uma permanente luta, é a moral oposta à do escravo e à do rebanho. Oposta, portanto, à moral da compaixão, da piedade, da doçura feminina e cristã. Assim, para Nietzsche, bondade, objetividade, humildade, piedade, amor ao próximo, constituem valores inferiores, impondo-se sua substituição pela virtù dos renascentistas italianos, pelo orgulho, pelo risco, pela personalidade criadora, pelo amor ao distante. O forte é aquele em que a transmutação dos valores faz triunfar o afirmativo na vontade de potência. O negativo subsiste nela apenas como agressividade própria à afirmação, como a crítica total que acompanha a criação; assim, Zaratustra, o profeta do além-do-homem, é a pura afirmação, que leva a negação a seu último grau, fazendo dela uma ação, uma instância a serviço daquele que cria, que afirma.


Compreende-se, assim, porque Nietzsche desacredita das doutrinas igualitárias, que lhe parecem "imorais", pois impossibilitam que se pense a diferença entre os valores dos "senhores e dos escravos". Nietzsche recusa o socialismo, mas em Vontade de Potência exorta os operários a reagirem "como soldados".


Uma Filosofia Confiscada


Apoiado na crítica nietzschiana aos valores da moral cristã, em sua teoria da vontade de potência e no seu elogio do super-homem, desenvolveu-se um pensamento nacionalista e racista, de tal forma que se passou a ver no autor de Assim Falou Zaratustra um percursor do nazismo. A principal responsável por essa deformação foi sua irmã Elisabeth, que, ao assegurar a difusão de seu pensamento, organizando o Nietzsche-Archiv, em Weimar, tentou colocá-lo a serviço do nacional-socialismo. Elisabeth, depois do suicídio do marido, que fracassara em um projeto colonial no Paraguai, reuniu arbitrariamente notas e rascunhos do irmão, fazendo publicar Vontade de Potência como a última e a mais representativa das obras de Nietzsche, retendo até 1908 Ecce Homo, escrita em 1888. Esta obra constitui uma interpretação, feita por Nietzsche, de sua própria filosofia, que não se coaduna com o nacionalismo e o racismo germânicos. Ambos foram combatidos pelo filósofo, desde sua participação na guerra franco-prussiana (1870-1871).


Por ocasião desse conflito, Nietzsche alistou-se no exército alemão, mas seu ardor patriótico logo se dissolveu, pois, para ele, a vitória da Alemanha sobre a França teria como conseqüência "um poder altamente perigoso para a cultura". Nessa época, aplaudia as palavras de seu colega em Basiléia, Jacob Burckhardt (1818-1897), que insistia junto a seus alunos para que não tomassem o triunfo militar e a expansão de um Estado como indício de verdadeira grandeza.


Em Para Além de Bem e Mal, Nietzsche revela o desejo de uma Europa unida para enfrentar o nacionalismo ("essa neurose") que ameaçava subverter a cultura européia. Por outro lado, quando confiou ao "louro" a tarefa de "virilizar a Europa", Nietzsche levou até a caricatura seu desprezo pelos alemães, homens "que introduziram no lugar da cultura a loucura política e nacional... que só sabem obedecer pesadamente, disciplinados como uma cifre oculta em um número". No mesmo sentido, Nietzsche caracterizou os heróis wagnerianos como germanos que não passam de "obediência e longas pernas". E acabou rompendo definitivamente com Wagner, por causa do nacionalismo e anti-semitismo do autor de Tristão e Isolda: "Wagner condescende a tudo que desprezo, até o anti-semitismo".


Para compreender corretamente as idéias políticas de Nietzsche, é necessário, portanto, purificá-lo de todos os desvios posteriores que foram cometidos em seu nome. Nietzsche foi ao mesmo tempo um antidemocrático e um antitotalitário. "A democracia é a forma histórica de decadência do Estado", afirmou Nietzsche, entendendo por decadência tudo aquilo que escraviza o pensamento, sobretudo um Estado que pensa em si em lugar de pensar na cultura. Em Considerações Extemporâneas essa tese é reforçada: "estamos sofrendo as conseqüências das doutrinas pregadas ultimamente por todos os lados, segundo as quais o estado é o mais alto fim do homem, e, assim, não há mais elevado fim do que servi-lo. Considero tal fato não um retrocesso ao paganismo mas um retrocesso à estupidez". Por outro lado, Nietzsche não aceitava as considerações de que a origem do Estado seja o contrato ou a convenção; essas teorias seriam apenas "fantásticas"; para ele, ao contrário, o Estado tem uma origem "terrível", sendo criação da violência e da conquista e, como conseqüência, seus alicerces encontram-se na máxima que diz: "o poder dá o primeiro direito e não há direito que no fundo não seja arrogância, usurpação e violência".


O Estado, diz Nietzsche, está sempre interessado na formação de cidadãos obedientes e tem, portanto, tendência a impedir o desenvolvimento da cultura livre, tornando-a estática e estereotipada. Ao contrário disso, o Estado deveria ser apenas um meio para a realização da cultura e para fazer nascer o além-do-homem.


Assim Falou Zaratustra


Em Ecce Homo, Nietzsche intitulou seus capítulos: "Por que sou tão finalista?", "Por que sou tão sábio?", "Por que sou tão inteligente?", "Por que escrevo livros tão bons?". Isso levou muitos a considerarem sua obra como anormal e desqualificada pela loucura. Essa opinião, no entanto, revela um superficial entendimento de seu pensamento. Para entendê-lo corretamente, é necessário colocar-se dentro do próprio núcleo de sua concepção da filosofia: Nietzsche inverteu o sentido tradicional da filosofia, fazendo dela um discurso ao nível da patologia e considerando a doença "um ponto de vista" sobre a saúde e vice-versa. Para ele, nem a saúde, nem a doença são entidades; a fisiologia e a patologia são uma única coisa; as oposições entre bem e mal, verdadeiro e falso, doença e saúde são apenas jogos de superfície. Há uma continuidade, diz Nietzsche, entre a doença e a saúde e a diferença entre as duas é apenas de grau, sendo a doença um desvio interior à própria vida; assim, não há fato patológico.


A loucura não passa de uma máscara que esconde alguma coisa, esconde um saber fatal e "demasiado certo". A técnica utilizada pelas classes sacerdotais para a cura da loucura é a "meditação ascética", que consiste em enfraquecer os instintos e expulsar as paixões; com isso, a vontade de potência, a sensualidade e o livre florescimento do eu são considerados "manifestações diabólicas". Mas, para Nietzsche, aniquilar as paixões é uma "triste loucura", cuja decifração cabe à filosofia, pois é a loucura que torna mais plano o caminho para as idéias novas, rompendo os costumes e as superstições veneradas e constituindo uma verdadeira subversão dos valores. Para Nietzsche, os homens do passado estiveram mais próximos da idéia de que onde existe loucura há um grão de gênio e de sabedoria, alguma coisa de divino: "Pela loucura os maiores feitos foram espalhados foram espalhados pela Grécia". Em suma, aos "filósofos além de bem e mal", aos emissários dos novos valores e da nova moral não resta outro recurso, diz Nietzsche, a não ser o de proclamar as novas leis e quebrar o jugo da moralidade, sob o travestimento da loucura. É dentro dessa perspectiva, portanto, que se deve compreender a presença da loucura na obra de Nietzsche. Sua crise final apenas marcou o momento em que a "doença" saiu de sua obra e interrompeu seu prosseguimento. As últimos cartas de Nietzsche são o testemunho desse momento extremo e, como tal, pertencem ao conjunto de sua obra e de seu pensamento. A filosofia foi, para ele, a arte de deslocar as perspectivas, da saúde à doença, e a loucura deveria cumprir a tarefa de fazer a crítica escondida da decadência dos valores e aniquilamento: "Na verdade, a doença pode ser útil a um homem ou a uma tarefa, ainda que para outros signifique doença... Não fui um doente nem mesmo por ocasião da maior enfermidade".

O teu olhar me envolve de imaginação
Sempre sonhados e nunca vividos
Meu sonhar vagueio atrevido
Conduzem-me a atmosfera
Que ter envolve e me atrai
Fala-me de viagens de sonho
E lugares imaginários e distantes.
Nada conhecido antes fantasia
O colorido de predominância azul

Observação da Céu a olho nú




Leitura do céu

A observação a olho nu

Para o nosso primeiro contato com o Universo, devemos procurar locais livres de obstáculos que nos impedem de observar o céu em toda sua amplitude, de um lado ao outro do horizonte. Longe das luzes ofuscantes das cidades, o que só pode­mos obter nas fazendas ou acampamentos afastados dos grandes centros urbanos, nas noites límpidas, sem Lua e sem nebulosidade, poderemos assistir a um dos espetáculos mais indescritíveis: toda a abóbada celeste estrelada.

A beleza do céu estrelado nos produz uma profunda emoção. Simultaneamente somos possuídos por um enorme sentimento de incapacidade para compreendê-la. Julgamos que são necessários conhecimentos fora do comum, grande inteligência e um instrumento possante para conseguir decifrar o céu, ou seja, saber o nome de cada constelação e de suas respectivas estrelas. Mas tudo é possível mesmo com a vista desarmada, ou com instrumentos modestos, uma carta celeste e um pouco de paciência.

O principal será saber usar a visão, o mais importante instrumento de um iniciante nos mistérios do Cosmo. O olho humano é o instrumento ótico que melhor se adapta, automaticamente, às mais diferentes circunstâncias. Os defeitos da visão, como a miopia, hipermetropia e astigmatismo, quando corrigidos convenientemente por óculos de graduação certa, não constituem um obstáculo. Na obscuridade, a sensibilidade do olho pode se tornar 200 mil vezes superior à visão em pleno dia, à luz do Sol, graças ao aumento do diâmetro da pupila e sobretudo à formação da púrpura retiniana, substância vermelha fotossensível, que se forma na obscuridade. Assim, é preciso um intervalo de quase uma hora no escuro, para se beneficiar inteiramente desta vantagem. Um intervalo de 15 minutos é o mínimo para que se inicie qualquer observação, seja a olho nu ou com o melhor e mais possante telescópio. No caso de incidências periódicas de luzes, o processo de adaptação da retina começará a sofrer retardamentos que poderão prejudicar a readaptação ao escuro. Nas cidades com grande movimento, este fator é o mais sério. Convém evitá-lo protegendo-se o olho das luzes mais próximas. A difusão das luzes das cidades na atmosfera fará com que a observação se limite às estrelas mais brilhantes; mesmo assim, será possível iniciar um estudo do céu.

Para compreender os movimentos do céu sem nenhum instrumento astronômico, convém ficar algumas horas, à noite, observando os deslocamentos das estrelas. Além da esteira leitosa — a Via Láctea — que atravessa o céu, irão surgir subitamente um ou mais riscos luminosos — os meteoros — cortando o fundo azul-escuro da imensa cúpula salpicada de pontos luminosos — as estrelas. Esses belos e indescritíveis fenômenos não deverão perturbar nossa observação do lento deslocamento dos astros.

Quando se contempla atentamente o céu no decorrer de uma noite límpida, a primeira coisa que nos impressiona é o fato de todas as estrelas em conjunto se deslocarem ao redor de um mesmo ponto. Pela manhã, quando o Sol faz a sua aparição, iremos constatar que ele também parece se deslocar no mesmo sentido das estrelas. No meio de uma planície, ou em pleno oceano, a nossa visão será limitada por um imenso planalto circular cujo limite se denomina horizonte.

O Sol parece surgir sempre do mesmo lado do horizonte — leste —, de onde sobe até atingir uma posição elevada e em seguida desce para um ponto do horizonte oposto — oeste. Se nos colocarmos de tal modo que o leste esteja á direita e o oeste à esquerda, teremos à nossa frente o norte e, atrás, o sul. Se colocarmos um poste perpendicular ao solo, o seu prolongamento irá perfurar o céu em um ponto acima de nossa cabeça: o zênite. Prolongando este mesmo poste em sentido oposto, teremos do outro lado do globo terrestre o nadir. A linha ideal que este poste representa é a vertical desse local que pode ser materializada pela direção do fio de prumo que os pedreiros empregam para elevar um muro verticalmente ao solo.

Desta observação a olho nu podemos constatar os seguintes fatos:

1. As estrelas aparecem do lado leste do horizonte e deslocam-se paralelamente no céu em direção ao lado oeste, onde desaparecem. No entanto, se observar­mos as regiões acima do horizonte sul, notaremos que as estrelas parecem girar ao redor de um ponto: o pólo celeste sul. Tal movimento diário das estrelas é aparente. Na realidade, é a Terra que ao girar ao redor do seu eixo de rotação transmite a impressão de que todas as estrelas (inclusive o Sol) e também a Lua estão girando em torno da Terra continuamente. O ponto ao redor do qual as estrelas descrevem círculos concêntricos é aquele em que o eixo da Terra prolongado perfuraria a esfera celeste. Um observador, nos pólos terrestres, seja no norte ou no sul, veria as estrelas girando paralelamente ao horizonte, continuamente, e nunca nascerem ou se porem no horizonte. Um outro observador, no equador terrestre, veria as estrelas nascerem e se porem perpendicularmente no horizonte. Tal deslocamento é o movimento aparente diurno provocado pela rotação terrestre.

2. Observando sempre num mesmo lugar, o observador verá que uma mesma estrela aparece e desaparece todos os dias em um mesmo ponto do horizonte. Todavia, de um dia para o outro, o observador irá notar que uma mesma estrela aparece e desaparece 4 minutos mais cedo. Em um mês, este avanço será de duas horas (30 dias x 4 minutos: 120 minutos, ou seja, 2 horas). Assim, o céu de 1° de setembro, às 20 horas, será o mesmo de 1° de agosto às 22 horas. Pôr este motivo, se observarmos o céu sempre à mesma hora, veremos que o seu aspecto se modificará:

Algumas estrelas deixarão de ser vistas e outras surgirão. Num intervalo de seis meses, todas as constelações visíveis serão diferentes, se observarmos o céu em uma mesma hora e num mesmo local. No final de um ano (365 dias x 4 minutos = 1 460 minutos = 24,33 horas), teremos aproximadamente 24 horas, ou seja, estaremos de volta à situação inicial. Tal fenômeno é o movimento aparente anual, causado pelo movimento da Terra ao redor do Sol, em um ano.

3. Ao observarmos as constelações junto ao horizonte, iremos vê-Ias aumenta­das, com as estrelas mais afastadas entre si, o que irá ampliar e deformar o seu desenho característico, como aliás ocorre com o Sol e a Lua quando próximos ao horizonte. Ao passarem pelo zênite, as constelações parecem menores.







Identificando as estrelas

Para observar as principais estrelas não é necessário um conhecimento preliminar de Astronomia, principalmente se essa observação do céu estrelado tiver como objetivo satisfazer a curiosidade de saber e/ou compreender a posição do homem no Universo sideral. O reconhecimento das constelações pode ser realizado num período de tempo muito curto. Em geral, de dez a quinze dias, ao fim dos quais umas cinco dezenas de estrelas, entre as mais brilhantes, poderão ser identificadas.

Este método, que se baseia essencialmente na memória visual, consiste em duas principais etapas: conhecer e memorizar algumas constelações de dimensões e for­mas características. Com este objetivo deveremos fixar e/ou escolher no céu grupos de estrelas de referências facilmente reconhecíveis, muito diferentes entre si para não serem confundidas e, por outro lado, muito bem distribuídas na abóbada celeste para permitir um melhor reconhecimento de todo o céu. Com base nestes grupos estelares iremos, por curtos alinhamentos entre as estrelas mais brilhantes, localizar e identificar o conjunto das constelações que desejamos estudar.

Observando as estrelas e constelações

Para melhor identificar as constelações e as estrelas convém estar munido de um mapa celeste e de uma pequena lanterna elétrica, de preferência com luz vermelha, para iluminar o mapa. Se você não conhece os pontos cardeais (leste, oeste, norte e sul) é conveniente utilizar uma bússola. No entanto, se você já aprendeu a localizar o Cruzeiro do Sul, o mais lógico será orientar-se por ele, prolongando o eixo maior da cruz quatro vezes e meia para localizar o pólo sul da esfera celeste.

Para observar as estrelas e/ou as constelações próximas ao horizonte, a melhor posição é colocar-se de pé, voltando-se sucessivamente para os pontos cardeais. Pa­ra as estrelas e/ou constelações próximas ao zênite, a posição mais cômoda do observador é manter-se deitado no solo. De início, o observador se orienta colocando seu mapa entre ele e o céu, fazendo coincidir o norte do céu com o norte da carta. O processo será olhar o mapa desta direção (com a luz da lanterna), baixar o mapa, e procurar no céu, na posição correspondente, a mesma constelação observada no mapa. Este ato de ficar com a cabeça para trás, levantando os braços para observar o mapa e depois abaixando-os para observar o céu, poderá ser um exercício cansativo. Aconselhamos observar de pé as estrelas próximas ao horizonte, dirigindo-se sucessivamente para cada ponto cardeal indicado no mapa, e observar deitado no solo quando a estrela estiver no zênite.

Para encontrar as estrelas ou constelações devemos estabelecer relações de proximidade com outras já conhecidas, usando-se os pontos cardeais. Por exemplo, a oeste do Cruzeiro do Sul, a leste do Centauro. Poder-se-ia também dizer acima, abaixo, à direita e à esquerda. A linha imaginária que, ligando duas estrelas conhecidas, permite encontrar, em linha reta, outra estrela ou constelação, deve ser estabelecida no mapa celeste. Em seguida, transfere-se essa linha imaginária e a sua relação de proximidade para a observação no céu.



A escolha do mapa celeste

O mapa celeste pode ser um planisfério, ou seja, uma representação retangular de toda a esfera celeste. Ele tem o inconveniente de deformar, ampliando os desenhos e os espaços, todas as constelações situadas ao redor dos pólos celestes (constelações circumpolares). Este efeito é mais sensível depois dos 50 graus de declinação até os 90 graus. Entretanto, os planisférios são muito úteis na faixa de 50 graus norte e 50 graus sul, a partir do equador celeste.

Outro tipo de mapa celeste é a representação da esfera celeste em vários círculos. A vantagem é não deformar as constelações circumpolares. Em geral, nesta representação o emprego de várias cartas celestes evita as deformações, mas obriga o uso de vários mapas para representar a variação do aspecto do céu nas diversas horas de uma noite ou de várias noites numa mesma hora. Um outro mapa muito prático é a carta celeste móvel ou giratória que fornece a representação do céu estrelado visível a qualquer dia e hora.





A cintilação das estrelas

Sob o aspecto de pontos luminosos, as estrelas parecem sofrer permanentes e bruscas alterações de brilho e coloração. Tais mudanças incessantes e repentinas, chamadas cintilação, são provocadas pelas contínuas modificações nas diferentes camadas da nossa atmosfera. Em virtude de as sucessivas camadas da atmosfera apresentarem diferentes níveis de temperatura, densidade e umidade, os raios luminosos provenientes das estrelas sofrem refrações desiguais nas diferentes cores. A cintilação estelar é menos intensa quando a atmosfera é mais calma e o caminho per­corrido pelos raios luminosos é mais curto. Em conseqüência, como no horizonte a estrela atravessa uma maior espessura da atmosfera do que no zênite, a cintilação é maior quando a estrela se encontra baixa no horizonte. Ao contrário, as estrelas próximas ao zênite só cintilam nos dias de muito vento. Pela mesma razão, a cintilação é menor no cume das montanhas do que no nível do mar.

As estrelas brancas, como Sirius, cintilam mais que as vermelhas, como Antares. lnicialmente, a cintilação é mais intensa nas estrelas brancas e azuis, depois nas amarelas, e mais reduzida nas estrelas vermelhas.

Cor das estrelas

Ao observar o céu pela primeira vez verificaremos que as estrelas mais brilhantes se apresentam coloridas. Canopus, Vega, Regulus apresentam-se com uma cor azul próxima ao branco e Altair, Sirius e Spica com um brilho branco ligeiramente azulado. A Alfa do Cocheiro (Capella) é amarelo-dourado, assim como Procion, Polar e PoIlux. Castor (Alfa de Gêmeos) é verde pálido e Rigel (Beta de Órion) azul-esverdeada. A estrela Beta da Balança se apresenta na cor verde-esmeralda — uma das raras estrelas visíveis a olho nu com esta coloração. Betelgeuse (Alfa de Órion) e AIdebaran (Alfa do Touro) possuem uma coloração nitidamente avermelhada, enquanto Antares (Alfa do Escorpião) apresenta-se na cor vermelha.

Quando as estrelas se encontram baixas no horizonte, as radiações azuis são absorvidas e elas aparecem com uma coloração avermelhada. Por outro lado, na aurora e no crepúsculo, quando o Sol está próximo do horizonte, todas as estrelas parecem mais pálidas.



As constelações

Para facilitar a descrição do céu, o homem primitivo resolveu reunir as estrelas em grupos, constituindo deste modo as constelações. Na realidade, elas não constituem sistemas de estrelas associados, pois em geral se encontram muito distantes entre si, dentro da nossa Galáxia.

Origem e significado das constelações zodiacais

O estudo da origem das constelações tem demonstrado que a sua distribuição e denominação, longe de constituir uma fantasia dos povos primitivos, representa uma cartografia ordenada do céu, com uma série de finalidades utilitárias. Tudo in­dica que os povos primitivos utilizaram as constelações com a finalidade principal de orientá-los no desempenho de suas atividades agrícolas e náuticas. O agrupa­mento das estrelas em constelações seguiu dois sistemas: um zodiacal e outro equatorial. E difícil dizer qual dos dois é mais antigo. Podemos afirmar que o sistema de nomenclatura equatorial está ligado à orientação por meio das estrelas na navegação noturna, enquanto o sistema zodiacal tinha por finalidade a determinação das estações, prendendo-se, assim, às atividades agrícolas.

As mais antigas denominações surgiram entre os povos da Mesopotâmia, onde as noites serenas e estreladas facilitavam a observação dos astros. Assim, os povos babilônios, que pertenceram a uma civilização que remonta a mais de 4 000 anos, através de suas observações de início empíricas foram se aperfeiçoando lentamente até que, nos últimos séculos antes de Cristo, já tinham elaborado um calendário e uma representação do céu bastante útil às atividades agrícolas e náuticas da época. Nos primeiros zodíacos encontramos a constelação do Touro como o primeiro signo, pois o equinócio da primavera (momento em que o Sol passa do hemisfério sul para o hemisfério norte) localizava-se nesta constelação. Todavia, em virtude do movimento de precessão, o equinócio se desloca sucessivamente, em todos os signos, num período de 26 000 anos, aproximadamente. Como se pode ver na tabela adiante, a partir de 2150 a.C. o equinócio tem lugar no signo de Áries, e desde o primeiro século de nossa era encontra-se no signo de Peixes.

Aliás, convém lembrar que entre os persas o céu era dividido em quatro partes pelas chamadas quatro estrelas reais — Aldebarã, Regulus, Antares e Fomalhaut —, utilizadas na agricultura para indicar o início das estações do ano: primavera, verão, outono e inverno. Pela extensão de certas constelações zodiacais, tais como Leão e Câncer, somos levados a concluir que a divisão do zodíaco em doze partes, cor­respondentes aos doze meses do ano, foi posterior à formação destas constelações. Cada signo zodiacal ocupa 30 graus; ora, Leão e Câncer jamais teriam, nesta divisão, alguma relação, já que Leão tem enormes dimensões e Câncer um pequeno tamanho. A divisão em doze partes é posterior à formação das constelações principais, associadas à sucessão das estações. As constelações zodiacais que surgiram em primeiro lugar foram Touro, Gêmeos, Leão, Virgem, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário, Peixes e Carneiro. Posteriormente, foram criadas Câncer e Balança.





As constelações zodiacais

A associação do nome das constelações à mitologia era uma maneira de permitir a transmissão oral das descrições do céu; o culto prestado aos fenômenos naturais, inexplicáveis pela ciência da época, deu origem a ligações místicas. Damos a seguir, em ordem alfabética, o nome das constelações zodiacais, com o significa­do mitológico e sua origem.



ÁRIES (CARNEIRO). Foram os babilônios que adotaram o signo de Áries para mar­car o início do ano, pois em 2500 a.C. o equinócio da primavera encontrava-se no meio das três estrelas que formam a cabeça do Carneiro. Conta-nos a mitologia que Frixo e HeIe eram filhos de Atamas, rei da Tessália, região da Grécia que vinha pas­sando por uma crise de desolação, seca e fome. Para que fosse sanada a situação e aplacada a ira dos deuses, Ino, a madrasta, exigiu que Frixo e HeIe fossem sacrificados. Para salvá-los, Mercúrio enviou um carneiro milagroso que os levou em fuga até a Cólquida.



TAURUS (TOURO). A mais antiga de todas as constelações e talvez a primeira a ser delimitada pelos babilônios, que a utilizaram para marcar o início do ano, pois o equinócio da primavera, há 4 000 a.C., localizava-se neste asterismo. Aliás, todos os antigos zodíacos mostram o seu início no Touro: o ano começava com o aparecer matinal das Plêiades na primavera, e o inverno com o seu aparecimento vespertino no outono. O aparecimento das Plêiades em novembro era saudado como a festa dos mortos. Povos da Antiguidade, como os caldeus e hebreus, davam ao mês de novembro o nome de Plêiades.

No mais antigo de todos os zodíacos egípcios — o de Denderah — a constelação do Touro está associada a Osíris, que era o deus especial do Nílo. O nascer heIíaco das Hyades, principal aglomerado do Touro, era associado à estação da chuva — donde a origem do seu nome, que significava “chover”. A lenda grega relata que Júpiter, enamorado de Europa, teria se transformado num touro de pele branca e aveludada. Europa, que brincava com as amigas, ao ver esse touro branco, que se mostrava tão manso, não teve dúvida em montar no seu dorso. Aproveitando-se da inocência de Europa, o touro se lança ao mar até atingir Creta. Desde então, brilha no céu como constelação, para lembrar esta união feliz.



GEMINI (GÊMEOS). A origem deste asterismo prende-se à coincidência de estar o Sol nesta região do céu no período posterior às inundações do NiIo, precedendo a época da germinação e anunciando a fecundidade. Inscrições existentes no túmulo de Ramsés VI, do século XII a.C., mostram dois brotos de plantas no lugar dos Gêmeos. A semelhança desta representação encontramos, no Atlas Celeste de Bayer, Pollux armado de uma foice.

Castor e PoIIux eram filhos gêmeos de Leda, esposa de Tíndaro, rei de Esparta, e de Júpíter, que se disfarçara em cisne para encontrá-la. Foram os dois que liberta­ram Helena, sua irmã, durante a guerra de Tróia. Castor era um famoso domador de cavalos e exímio cavaleiro, e Pollux destacava-se como lutador. Eram grandes amigos, inseparáveis em todas as suas empresas. Júpiter recompensou este amor fraterno colocando-os no céu como os Gêmeos. Na Antiguidade, a constelação foi freqüentemente representada pela figura de duas estrelas sobre um navio, pois Castor e PoIIux são considerados divindades protetoras dos marinheiros e viajantes.



CÂNCER (CARANGUEJO). A origem desta constelação é duvidosa. Alguns autores associam-na à semelhança do movimento do Sol, no solstício do verão, com o mo­do de andar dó caranguejo. Os caldeus já a conheciam. Os egípcios representavam-na no zodíaco de Denderah como um caranguejo redondo. Na mitologia grega, o caranguejo teria sido o animal que mordeu os pés de Hércules quando este combatia a Hidra de Lema. Para homenageá-lo, Juno colocou-o no céu.



LEO (LEÃO). Uma das primeiras constelações conhecidas dos babilônios, que, como todos os povos da Antiguidade, associavam o Leão ao Sol. O Leão é, realmente, a mais notável de todas as constelações zodiacais, já que o Sol se encontrava neste signo no solstício do verão, na época em que esse asterismo foi instituído. Para os egípcios a entrada do Sol no signo do Leão correspondia às inundações do Nilo e servia, portanto, como importante referência à atividade agrícola, pois a inundação trazia a fertilidade das margens do grande rio. Segundo a mitologia, este asterismo representava o leão do vale de Neméia, estrangulado por Hércules após a tentativa mal sucedída de matá-lo a flechadas.



VIRGO (VIRGEM). No vale do Eufrates, onde foram criadas as constelações, a da Virgem simbolizava a deusa Istar, filha do céu e rainha das estrelas. Representada como uma espiga na mão, constituía o símbolo da fertilidade. Se remontarmos a mitologia grega, veremos que era também a imagem de Deméter, a filha de Cronos e Rhea, deusa do trigo.



LIBRA (BALANÇA). Durante o equinócio do outono o Sol se encontra em Libra. Ora, como no equinócio os dias e as noites são de igual duração, levantou-se a hipótese de ter sido essa a origem do nome desta constelação. O sacerdote egípcio Manethon, que viveu no século III a.C., registrou que as garras do escorpião, que iam até os pés da Virgem, foram transformadas nos pratos da balança.



SCORPIUS (ESCORPIÃO). Segundo alguns autores, sua origem deve associar-se às secas e às pragas que assolavam o Egito quando o Sol se encontrava naquela região do céu. Desde a mais remota Antiguidade esta constelação foi representada por gregos, latinos, árabes e persas pela figura de um escorpião. O equinócio do outono, há 3000 a.C., localizava-se aí, quando este asterismo foi instituído. Na Pérsia, Antares, a estrela mais brilhante do Escorpião, era uma das quatro “Estrelas Reais’~ uma das guardiãs do céu, e naquela época, indicadora do outono. Os poetas gregos nos ensinam que Scorpius foi o animal enviado por Diana para matar Órion, que inter­vinha em suas atividades de caçadores, mas ele nunca conseguiu atingir a sua meta:

Realmente, as estrelas de Órion desaparecem no ocidente justamente quando o Escorpião nasce no oriente.



SAGITARIUS (ARQUEIRO). Inscrições encontradas na Babilônia e nos monumentos persas mostram esse asterismo personificado como o deus arqueiro da guerra de Nergal. No Egito era representado como um centauro alado, galopando para o ocidente e trazendo um longo chapéu, com um arco esticado, a fim de arremessar uma flecha no corpo do escorpião. No túmulo de Ramsés VI é representado, unicamente, como uma flecha.

Sagitário é a figura do centauro Quíron que, pela sua sabedoria, se distinguia dos seus semelhantes, incultos e brutais. Tendo aprendido dos seus preceptores a arte divina da medicina e da caça, teve como discípulos os argonautas. Imortal, ferido num combate entre centauros e lápitas, e sofrendo de dores atrozes ofereceu Quíron sua imortalidade a Prometeu. Morto, foi colocado por júpiter entre as estrelas.



CAPRICORNUS (CAPRICÔRNIO). A denominação Capricórnio, dada pelos cal-deus e babilônios, prende-se talvez a uma associação com as cabras que desciam das montanhas com a chegada do inverno; o Sol atinge neste signo o seu maior afastamento do pólo norte. Há 2 000 anos, com efeito, o Sol atingia Capricórnio no equinócio do inverno e Câncer no equinócio do verão. Daí a denominação dada pelos geógrafos à linha que passa a 23 graus ao sul do equador, do trópico de Capricórnio, e à que passa a 23 graus ao norte do equador, do trópico de Câncer. O Sagitário é, atualmente, o ponto onde o Sol se encontra quando está mais ao sul.



AQUARIUS (AGUADEIRO OU AQUÁRIO). Desde as mais remotas eras este asterismo foi associado à água, pois o Sol passava por esta região do céu durante as estações de chuva, no mês de fevereiro. Nos mais antigos monumentos da Babilônia já encontramos para representá-la a figura de um homem a entornar a água de um vaso sobre um pequeno peixe, o Peixe Austral. Para os egípcios, as estrelas Alpha e Omicron do Aquário indicavam o início dos tempos de semeadura, que vinha após as inundações do Nilo. No túmulo de Ramsés VI este signo está representado pela água.

A estrela Fomalhaut, situada ao sul deste asterísmo, era uma das quatro Estrelas Reais dos persas e indicava naquela época, em 4000 a.C., o solstício do inverno, O Aquário é assimilado a Hebe ou Ganimedes que, durante a assembléia dos deuses do Olimpo, derramavam nas suas taças o néctar da eterna juventude e da imortalidade.



PISCES (PEIXES). Os babilônios, os assírios e os persas representavam este grupo de estrelas por dois peixes. Para os egípcios esse signo registrava a aproximação da primavera e da estação da pesca. No zodíaco de Denderah está representado por dois grandes peixes ligados por uma faixa, em meio de um retângulo que simboliza a água. No túmulo de Ramsés VI é representado por um único peixe.

Diz a mitologia grega: quando Vênus e seu filho Cupido passeavam pelas margens do Eufrates, ficaram assustados com o aparecimento do gigante Tífon, e para escapar ao monstro mergulharam nas águas do rio, após se transformarem em peixes. Para perpetuar o acontecimento Minerva colocou-os entre as estrelas; donde o outro nome popular da constelação, Vênus e Cupido.